quinta-feira, 9 de junho de 2011

Um laicismo equivocado

Iranianas choram por conta da decisão da FIFA pela preservação de um
espaço público laico e democrático

Foi com pesar que soube da notícia de que a seleção iraniana feminina de futebol havia sido desclassificada das eliminatórias para a próxima edição dos jogos olímpicos, que acontecerão em Londres, em 2012. E o mérito não é o futebol desta equipe, que nunca vi em campo. A eliminação é decorrente do fato de elas terem entrado em jogo, contra a seleção jordaniana, cobrindo suas cabeças com o véu (vestimenta mais do que conhecida, e comum na cultura dos países de maioria muçulmana).

A FIFA, entidade máxima do futebol mundial (a despeito de todos os casos de corrupção que a envolveram nestas últimas semanas), estabeleceu protocolo para que nos jogos de futebol sejam proibidas quaisquer manifestações de caráter ideológico, pessoal, comercial e, como se vê, religioso.

Discussão semelhante, a respeito de manifestações religiosas, surgiu na Copa de 2010, por conta de críticas a jogadores que, em suas entrevistas ou em comemorações de gols, faziam vistosas exibições de textos com referências a figura de Jesus Cristo, ou declarações em que enfatizavam seus agradecimentos a Deus.

Esta busca por um terreno laico para o exercício do esporte, como algumas autoridades do mundo da bola, principalmente europeus, tem procurado afirmar, parece estar em um âmbito bastante equivocado. Eu poderia dizer até, perigoso.

Sempre fui crítico deste tipo de política de contenção de manifestações. No primeiro momento em que surgiram as críticas aos jogadores cristãos a respeito de seus proselitismos dentro das quatro linhas, sempre concordei que qualquer exagero deveria ser discutido e trabalhado em outras esferas que não o da proibição pura e simples. O futebol, como principal esporte mundial, envolve diversas identidades culturais, inclusive religiosas. Portanto, sempre entendi que atitudes sensatas deveriam trabalhar o esporte como espaço democrático de manifestação de idéias e identidades, sob a égide da tolerância e do diálogo.

Agora, a proibição da seleção feminina iraniana de participar das próximas olímpiadas, por conta do uso do véu, é evidência maior de que, não apenas a FIFA não se dispõe à construção de um diálogo internacional a respeito das diferentes identidades culturais, como demonstra que sua decisão bebe da mesma fonte das políticas de intolerância secular que ascendem em um número significativo de países europeus, baseadas no discurso de que o espaço público laico deve ser preservado de qualquer interferência de fundo religioso, e que todos os cidadãos, a despeito de suas crenças e valores, deve submeter-se em última instância à tutela do Estado nacional e isento de valores religiosos.

É necessário observar, porém, que tais políticas inserem-se em um contexto agudo de emergência de uma nova direita nacionalista, temerosa com o ingresso de contingentes de imigrantes, sobretudo vindos de países de predominância muçulmana - os mesmos países que, em época anteriores, foram sugadas por estes Estados europeus, antigos impérios coloniais que interferiram (e até hoje interferem) na soberania destes povos.

Em tempos de debates acalorados sobre a inclusão de novos atores sociais na cena política, de um necessário revigoramento das discussões a respeito do multiculturalismo, e de um novo ascenso do movimentos democráticos (no mundo árabe, e que já bate à porta dos países europeus), a política de intolerância à identidade religiosa só possibilita afirmar que o laicismo, como eixo organizacional do Estado e da sociedade contemporânea, necessita assumir um novo significado, pelo qual não seja capaz de construir (e nem mesmo de tangenciar) discursos de exclusão de identidades culturais, sobretudo religiosas.

-----

Sydnei Melo

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...