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sábado, 31 de dezembro de 2011

Contar os dias e celebrar a vida!

É sempre o mesmo sentimento: noutro dia começávamos o ano, ele parecia longo, tanto por fazer, tanto tempo pela frente e, agora, já passou. O tempo passa muito rapidamente, nós voamos com ele. O tempo passou e fizemos muitas coisas das quais nos orgulhamos e, certamente, muitas outras pelas quais nos arrependemos. O fato é que o que passou é imutável, não é possível alterar absolutamente nada. Mas é possível se apropriar desse passado para, como matéria prima, usá-lo para um futuro melhor. É importante olhar para o passado para aprender com ele. Talvez essa seja a única forma de realmente saber apreciar melhor a vida e o ano que começa daqui a pouco.

Aprendi com Ricardo Gondim que o tempo foge, que devo saborear os anos como o menino que saboreia as últimas jabuticabas de uma bacia, uma de cada vez, lentamente, apreciando cada uma. Quanto mais velhos ficamos, mais vamos dando valor ao tempo, porque ele vai escasseando, vai ficando, portanto, mais precioso. Daí porque temos que ter reverência pela vida e pelo tempo.

“Ensina-me a contar os meus dias, de modo que eu alcance um coração sábio”, foi a oração de um poeta bíblico. Contar os dias com sabedoria, não desperdiçá-los de maneira tola, mas, com inteligência, aproveitá-los ao máximo. Seguem alguns palpites para isso. Repito, são apenas palpites.

Não espere que chegue o dia em que finalmente você vai ser feliz. A felicidade é fugidia, são momentos, muitos deles pequenos, em que você a experimenta. Não espere que um emprego, um casamento, uma viagem, uma faculdade, farão você feliz. O que vai determinar se você vai ser feliz mesmo é o modo como você vai trabalhar nesse emprego, a disposição que você vai ter para uma vida compartilhada pelo casamento, o espírito com que você vai curtir a viagem, por exemplo.

Valorize pessoas mais do que coisas. No fim, serão pessoas que estarão ao seu lado quando você precisar. Ou não. Quem sempre valoriza coisas em detrimento de pessoas, corre o sério risco de ficar sozinho com suas coisas.

Seja mais indulgente com as pessoas, elas não são perfeitas. Assim como você, todas são imperfeitas, falhas, incoerentes. Mas é preciso amá-las assim mesmo, porque você precisa ser amado também. Não tenha expectativas mirabolantes, irrealizáveis, você vai acabar frustrado. Não cobre tanto das pessoas, do mundo e de você. Aceite o fato de que você é humano, e, portanto, inacabado e imperfeito. Assuma sua humanidade e seja autêntico.

Não perca a esperança. O amargo que você pode ter provado no tempo que passou não tira a capacidade do seu paladar de sentir o doce novamente. Por mais dolorosas que tenham sido as lágrimas que você derramou no ano que vai embora, há a possibilidade do riso feliz no ano que começa. Por maiores que tenham sido as frustrações, um novo tempo sempre é a possibilidade de novas realizações, novos sentimentos, uma nova postura diante da vida.

Celebre a vida sempre, celebre os pequenos momentos com as pessoas que você ama. Celebre o tempo que passou e o que está por vir.

Celebremos 2012.


Márcio Rosa da Silva

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

O Natal das coisas simples

Ouvi uma reportagem pelo rádio, em que a entrevistadora perguntava onde e como as pessoas passariam o Natal. Todas responderam que iam passar com a família. Algumas variações: “vou à igreja depois vou ficar com minha família”, ou “vou para uma festa, mas antes vou ficar com minha família”. Também ouvi um dizer que ia passar sozinho, porque estava longe da família, mas o coração dele estaria com a família. Ainda há os amigos, uma família fraterna, que se escolhe, mas igualmente ligada pelo afeto.

Natal é essa festa em que as pessoas se lembram da família, dos amigos, dos mais necessitados, fazem gestos de solidariedade. E isso é bom, ainda que de modo sazonal, ainda que pequenos, esses gestos são válidos. Bom seria que se repetissem durante todo o ano, mas se acontecem agora, já é alguma coisa. Há sempre uma esperança de que esse sentimento que acontece nessa época do ano se perpetue, ou, pelo menos, seja reavivado em algum momento do ano seguinte.

É claro que, como sempre, muitos de nós cometemos o erro de procurar o “espírito do Natal” nos lugares errados. Ou talvez fique melhor colocar a essência do Natal, o significado dele. Procuramos em shoppings, ou nas ruas comerciais apinhadas de gente aflita por conseguir comprar algo, ou nas celebrações grandiosas e majestosas que o mundo do entretenimento faz. Mas não o encontraremos nesses lugares. Esse foi o erro que os magos do oriente cometeram quando foram procurar Jesus. Foram direto para o palácio de Herodes, mas ele não estava lá. Depois de corrigirem o caminho, encontraram-no envolvido em panos, numa manjedoura (um cocho), numa estrebaria (um curral). Lugar improvável para o Filho de Deus.

Natal é a lembrança de que Deus não somente se fez homem e habitou entre nós, mas de que Ele se fez menino, uma criancinha, frágil, dependente, pequeno. Deus, de tão grande, se fez pequeno. Deus se batizou de humanidade, imergiu em nossa realidade de sangue, suor e lágrimas. E escolheu as coisas simples desse mundo para as quais conferiu importância.

Era desprezível o local onde o menino Jesus nasceu, mas o importante ali era o afeto que recebia de seus pais, afeto que se revelou em cuidado, carinho. Talvez por isso esse clima tão favorável à busca por um lugar cheio de afetos nessa época.

Ali nascia a esperança de dias melhores. Deus não abandonou seus filhos à própria sorte, mas veio até eles, tornou-se um deles, mergulhou no seu cotidiano, foi dependente de uma família, depois, quando adulto, experimentou toda complexidade das relações humanas, do que há de bom e do que há de mais perverso. Da solidariedade à traição.

Mas depois daquela noite, nada mais foi como era antes. Deus está conosco para sempre, imerso em nossa humanidade, presente em nossa caminhada e nos convidando a sermos como ele: humano, simples e pleno de amor e solidariedade.

Na noite de Natal, quando for levantar um brinde, seja em que ambiente for, num palácio ou numa casa simples, celebre a esperança contida no nascimento daquele que é Deus conosco para sempre. Isso é Natal. E é simples.


Márcio Rosa da Silva

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

A mensagem subversiva

A mensagem trazida por Jesus tem um caráter subversivo. Ela não tem o propósito de trazer paz, como aquele sentimento que torna as pessoas com ar sereno e insensível ao que acontece ao redor. Ao contrário, tem o propósito de gerar inquietação nas pessoas. Não é uma mensagem de conformismo, mas o oposto. É para deixar as pessoas inconformadas com o atual estado de coisas para que, então, tentem transformar o mundo.

Quem quer paz de espírito, naquele sentido de insensibilização com todo o mal que acontece, tem que buscar outra religião. Em Cristo ficamos inquietos, queremos mudança, não nos conformamos com este mundo. Queremos uma revolução, porque cremos e pregamos uma mensagem que se choca com o sistema do mundo. Que é oposta à lógica mundana, que é oposta ao sistema perverso que impera no mundo.

A primeira subversão é colocar Deus acessível a todos. Aquilo que era monopólio da religião institucionalizada, agora é democrático, está ao alcance de quem quisesse. Deus não está mais distante, mas agora se fez homem como nós e se colocou no nosso nível, para ser um conosco, para ser Deus conosco.

Depois, é necessário compreender que a mensagem pregada por ele tem muito mais a ver com a vida antes da morte do que depois dela. Não é uma receita sobre como conseguir a vida após a morte, mas sobre como viver a vida aqui e agora. Em vez de dirigir nossa atenção para a vida além túmulo, nos céus, fora desta vida e para além da História, é preciso focar nessa vida, porque o Reino de Deus já chegou até nós e é pra ser vivido e experimentado aqui.

A subversão consiste em não nos conformarmos com a maldade deste mundo, com as injustiças, com a intolerância, com a miséria. O Evangelho é um chamado à transformação!

O mandamento de amar os inimigos e fazer o bem a quem nos odeia é absolutamente subversivo, porque se opõe à lógica dominante.

Jesus chocou, e ainda choca, a opinião pública, porque ele falou algumas coisas que não fazem sentido para o homem comum. Parece que nada tem a ver com a realidade. Mas são verdades revolucionárias. Posturas que, se adotadas, vividas, podem mudar, transformar o mundo.

Não mudaremos a realidade ao nosso redor decretando isso em 40 dias de oração, ou 30 dias de jejum, ou dando 7 voltas cidade durante a madrugada, nem amarrando demônios por decretos. Isso não vai mudar nada.

Mas no dia em que alguns, com firme propósito, passarem a viver um pouco do conteúdo da mensagem do Evangelho, uma mudança revolucionária estará a caminho.


Márcio Rosa da Silva

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Um novo paradigma

Muitos de nós temos dificuldade de lidar com o novo, porque o novo é também o desconhecido. Um pensamento antigo por transmitir mais segurança, afinal, pensa-se, já serviu por tanto tempo e a tantas gerações, poderá servir para a nossa também. Será?

Imagine se nunca tivessem questionado o paradigma de a terra ser o centro do universo? Mas alguém questionou. Ainda bem. Agora tudo girava em torno do Sol. Mudou-se de novo, foram descobertos outros sóis, e outras galáxias e, mais uma vez, mudamos nossa forma de ver o universo. Mas muita gente foi pra fogueira por conta disso. É o medo do novo.

A novidade quebra as sólidas plataformas do “status quo”. E se nunca tivessem questionado as monarquias absolutistas? O paradigma da democracia substituiu o da tirania, o da ditadura. É claro que para desgosto dos que usufruíam das benesses do poder tirânico.

Quando se vai quebrar um paradigma, substituir um modelo, lançar outra plataforma, há sempre uma revolução, por assim dizer. E os donos do poder, seja ele político, científico, econômico ou religioso, nunca ficarão satisfeitos com a mudança.

No caso de Jesus, o que parecia só uma suspeita, agora fica mais evidente. Aquele pregador, vindo de Nazaré, queria estabelecer algo novo. Ele já vinha dando pistas. Em Caná, transformou água em vinho, e o vinho novo era melhor. Um tempo depois, ele abriu o jogo. A partir de um questionamento acerca do jejum, que ele e seus discípulos não faziam, ele contou uma parábola: não se coloca vinho novo em odres velhos, senão estas vasilhas de couro estourarão após a fermentação do vinho.

Ele estava falando de uma mudança paradigmática. Ele veio estabelecer uma nova aliança, trazer uma boa nova, uma nova forma de enxergar Deus, de ver a vida, de se relacionar com Deus e com as pessoas.

O antigo sistema era de observância rígida de leis religiosas, de uma multidão de regras, de um emaranhado de ritos, que tendiam a escravizar as pessoas. A novidade trazida por Cristo caracteriza-se pela liberdade, por um relacionamento íntegro com Deus e com as pessoas, baseado no amor.

Nessa nova ordem, o verdadeiro jejum consiste em soltar as correntes da injustiça, partilhar a comida com o faminto, abrigar o pobre desamparado, vestir o nu e não recusar ajuda ao próximo, confirmando a máxima de que Deus quer misericórdia e não sacrifício.

O novo fundamento foi lançado por Jesus quando disse que o maior mandamento era o amor a Deus e ao próximo. E só se ama a Deus através do amor ao próximo, com ações práticas de solidariedade, generosidade, elegância, carinho, integridade, compaixão e não com ritos religiosos vazios.

Oportunidades não faltam para manifestar esse amor. Hoje, no mundo, há quase dois bilhões de pessoas na pobreza extrema, e ainda tem gente que fica exigindo de Deus um carro importado em oração. É muito cinismo, muito egoísmo e muita insensibilidade com os que passam necessidade. Alguns desses necessitados estão em nossa cidade. Façamos algo!


Márcio Rosa da Silva

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Ter fé é também correr riscos

O que é fé, senão uma aposta? Para aquilo se tem certeza a fé não é necessária. Fé é para aquilo que não se vê, que não se pode tanger, pode-se tão somente esperar. Ter fé é arriscar-se. Acreditar num futuro diferente e melhor é ter fé. Por isso que em Deus temos fé. Não o vemos, não o tocamos, mas cremos. É uma aposta que fazemos.

Isso acontece também nos relacionamentos. O casamento, por exemplo, é uma aposta. Não há certeza que vai dar certo, não se consegue prever o futuro. Mas quem se casa, o faz apostando que vai dar certo.

Em tudo na vida é assim. Por mais planejamento que se tenha, por mais que se tenha calculado todas as probabilidades, há sempre uma dose de imprevisão.

Quem não quer correr riscos não pode empreender coisa alguma, nem se relacionar com ninguém, porque relacionar-se é correr riscos, inclusive de se decepcionar muito e gravemente. Mas se não arriscar como saber?

Se não quer correr o risco de se decepcionar com pessoas, nunca se envolva, não faça amigos, se isole completamente, assim você não corre o risco de se machucar e também não machucará ninguém. Mas isso não é vida. É preciso arriscar-se.

Se você só vai participar de uma igreja quando encontrar uma em que as pessoas sejam perfeitas, cheias de fé, plenas de amor, retas em justiça, prontas para o céu, então se isole, fique só em sua casa, nunca entre em uma igreja. Mas se você aceita se arriscar para caminhar ao lado de gente capenga, falha, finita, pecadora, com todos os vícios e todas as virtudes que qualquer ser humano tem, então arrisque-se, envolva-se, comprometa-se com uma comunidade de fé.

Se você acha que o mundo não tem jeito, que nada nunca vai mudar, que os injustos sempre vão se dar bem e que os bons sempre vão sofrer, que não há nada que você possa fazer para alterar o mundo em sua volta para melhor, então não faça nada, fique olhando as coisas acontecerem e seja absorvido pelo seu cinismo. Mas se acredita que alguma coisa pode ser diferente e que você pode colaborar para isso; se você aposta que alguma coisa pode ser alterada se você deixar o imobilismo e o comodismo, então arrisque-se. Dê um salto de fé.

Se você acha que a vida é uma droga. Se não consegue ver nada de belo na vida, se não é agradecido por nada, então tem mesmo que ficar sentado num “trono de um apartamento, com a boca escancarada cheia de dentes, esperando a morte chegar”, como já cantou Raul Seixas. Mas você pode se arriscar e fazer algo.

Se você acha que as palavras de Jesus são uma balela e que a proposta de amor ao próximo como lei maior não vale nada e não muda nada, então tudo bem, continue como está, vivendo uma religiosidade fria, sem vida e irrelevante. Se você vê a Deus como um Papai Noel bíblico que está pronto a dar a você os brinquedinhos que você tanto pede, se sua relação com o sagrado é infantil e baseada na troca, então continue se infantilizando.

Mas se você vê algo de transformador na mensagem de Cristo, algo revolucionário na proposta dos Evangelhos, então arrisque-se e comece a agir de modo a alterar para melhor o atual estado de coisas. Isso é fé.


Márcio Rosa da Silva

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Da superficialidade à maturidade

Vivemos a era da superficialidade. Tanto é assim, que um dos maiores fenômenos da atualidade é o Twitter, microblog no qual as postagens não podem exceder 140 caracteres. Um amigo, editor de um blog muito acessado, disse-me que quando ele posta textos com mais de quatro parágrafos, quase ninguém lê. Se a pessoa não lê algo que tenha mais de quatro parágrafos, como vai ler Guerra e Paz, Os miseráveis, ou Os Sertões?

Nos relacionamentos há muita superficialidade. “Ficar” tornou-se uma modalidade de relacionamento amoroso, lembrando que esse ficar é dar uns beijos ou algo mais, por apenas um evento. Nem precisa ligar no dia seguinte. Tempos rasos.

Essa cultura da superficialidade foi levada para o campo religioso. Hoje se vive muito claramente uma religião de mercado. Aquela que oferecer o melhor “produto” terá mais “clientes”, ou melhor, fiéis. Fiéis é modo de dizer, porque só serão fiéis enquanto houver conveniência. No dia em que aquela religião não mais lhe servir, muda pra outra mais adequada aos estímulos de consumo.

O “ficar” migrou para a experiência religiosa. A pessoa “fica” com Deus. Vai a uma igreja, sente um friozinho na espinha, tem uns êxtases, é gostoso, mas depois que sai daquele ambiente não “assume” Deus na vida diária.

Pode ser também a superficialidade baseada na necessidade de algo. A pessoa está numa enrascada, quer passar num concurso, quer arrumar alguém para casar, então vai à igreja pra ver se Deus arruma isso pra ela. Enxergam a igreja como uma fornecedora com grandes prateleiras onde produtos são oferecidos. Ora, isso não é espiritualidade, é consumismo.

Então Jesus morreu na cruz pra isso? Para que as pessoas fiquem olhando para o próprio umbigo e fazendo “campanhas” de oração pra arrumar marido, conseguir um carro novo e coisa e tal? Não, definitivamente, não. Isso é ser superficial demais!

O convite de Jesus é para rompermos a superficialidade e explorarmos águas mais profundas.

Quantos cristãos ainda são imaturos na fé? Eternamente perguntando se pode fazer isso ou aquilo, melindrados e magoados por qualquer coisa, incomodados com qualquer cisco no olho do outro, mas sem enxergar as traves no próprio.

Quantos não conseguem fazer qualquer abstração e levam tudo ao pé da letra? Se não há capacidade de abstração, como entender que Jesus é a porta, a água, o pão, o vinho, o caminho? Quem leva a bíblia ao pé da letra é um imaturo na fé. Como vai entender, por exemplo, as parábolas de Jesus?

Há um convite à maturidade, para deixar essa relação utilitária com Deus, do toma lá, dá cá: “toma lá minhas orações, meus jejuns, minhas vindas à igreja, minhas ofertas… dá cá a minha benção, minha vida blindada, meus livramentos”.

A maturidade nos leva a uma relação de cooperação com Deus. Não ficar esperando Deus fazer as coisas por si e pelo mundo, mas se colocar como cooperador para realizar transformações junto com Deus, ser um agente de transformação. Mas isso exige um abandono do superficial para uma relação madura com Deus e com a vida.


Márcio Rosa da Silva

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Sobre culpa, medo e liberdade

Culpa. Eis aí um elemento imprescindível para a manipulação religiosa. No mercado da fé, a culpa é um produto sempre em alta, não como mercadoria propriamente dita, mas como indutora do consumo. Se o consumidor tem culpa, compra qualquer produto que lhe for oferecido para se livrar dela. Na verdade para se livrar do medo. Esse é outro elemento indispensável para manter pessoas no cabresto.

É por isso que o medo é incompatível com o amor. Para ser amor de verdade tem de ser livre, e para ser livre não pode haver medo. Se para amar é necessário ameaçar com um castigo impiedoso, não haverá amor, mas uma submissão forçada. A mulher que permanece com o marido porque este lhe ameaça bater ou matar não o ama, apenas teme por sua vida. Ou, se não é isso, tem uma relação completamente doentia, porque quer ficar com alguém que lhe ameaça o tempo todo.

Já admirei a eloqüência da pregação “Pecadores nas mãos de um Deus irado” de Jonathan Edwards, mas hoje só consigo ver ali uma divindade com sangue nos olhos e babando de vontade fazer sofrer as pessoas, com uma ira represada que, quando irromper, devorará todos os ímpios. Esse Deus é bem diferente daquele que vejo na face de Jesus, que não veio para condenar o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele.

Jesus é a encarnação de Deus. Deus que tanto amou seus filhos que se fez gente e habitou entre eles. Ele é o amor substantivo concreto. Amor que foi levado às últimas consequências. Mas como os religiosos preferem uma ameaça concreta de punição em vez de uma proposta de salvação gratuita, trataram logo de assassinar o amor. Ainda bem que o amor vence afinal, ressurge e reparte sua vida com seus amigos, seus discípulos. Outra coisa que esse pessoal de sangue nos olhos não tolera é que Deus tenha amigos e não escravos tratados na base do chicote. Sim, Jesus quer amigos, sem medos, sem ameaças, sem retaliações.

Que valor teria a encarnação e toda essa extraordinária história de amor entre Deus e seus filhos se, na verdade, acorre-se a ele por medo da constante ameaça de ser fritado num caldeirão de azeite fervente por toda a eternidade?

O amor de Deus é incondicional. A graça é de graça mesmo. Amor e graça dão liberdade. Culpa e medo levam à escravidão. Um Deus que chama seus seguidores não de servos, mas de amigos, é o que dá a liberdade. Os que quiserem ficar com ele e desfrutarem de sua amizade serão amados. Os que quiserem ir embora, são livres para fazê-lo, continuarão amados. E continuarão sendo esperados de volta. A porta estará sempre aberta.

Quem de nós quer amigos que só ficam ao nosso lado por conveniência ou porque estão sendo chantageados? Se não queremos amigos assim, por que Deus usaria então a chantagem, a ameaça, para que permanecêssemos com ele? Deus não está irado, mas em paz conosco. Ele nos ama. Não há condicionantes para isso. Somos livres para sermos amigos dele, ou não.

Deus é amor e no amor não há medo!


Márcio Rosa da Silva

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Um olhar para sociedade

Somos seres sociais, gregários, a vida em sociedade é uma imposição da própria natureza humana. Mas qual é o olhar da igreja e dos cristãos para a sociedade? Para responder a essas perguntas, precisaríamos saber de que “igreja” e de que “cristão” estamos falando, tendo em vista as enormes e irreconciliáveis diferenças entre os muitos grupos que se identificam como igreja e como cristãos.

Tenho a impressão que por muito tempo o olhar de setores da igreja evangélica para a sociedade tem sido como o de alguém que olha de fora, como se separado fosse. Seria um grupo dissociado, não conectado com o todo, que olha para o resto do mundo, mas não se identifica como parte dele.

E o que ela vê? Multidões a serem convertidas ao seu grupo. Ou para serem conquistadas, para usar um termo muito apreciado nesse meio. Almas que precisam ser arrancadas do inferno para povoar o céu. Miseráveis perdidos condenados ao fogo do inferno, esperando o momento de “ouvirem” a boa nova. Caso adiram a essa boa nova serão livres de todo o mal e terão a terra prometida (no futuro – depois da morte), caso a rejeitem, continuarão condenados ao inferno, mas o grupo que proclamou a “verdade” já não tem mais nenhuma responsabilidade ou culpa nisso, pois já cumpriu o seu papel.

Então é isso? É esse o olhar que a igreja e os cristãos devem ter para a sociedade? Entendo que não. Precisamos de um outro olhar.

Esse olhar não pode ser como de alguém que se julga superior. Quem se julga salvo e vê os demais apenas como pecadores destinados à danação corre o risco de enxergar dessa forma.

Também não pode ser indiferente, como o de quem não tem nenhuma responsabilidade para com a dor do outro. O sujeito não se sente causador do sofrimento alheio, logo não tem porque se importar e não precisa fazer nada para mudar a situação. Peca-se pela omissão.

Não pode ser um olhar simplista, porque a sociedade é complexa, diversa. Olhar a todos como uma massa homogênia é desconsiderar as múltiplas características que uma sociedade como a nossa tem e não reconhecer as enormes disparidades e as muitas injustiças sociais existentes.

Não pode ser um olhar como de quem deseja instrumentalizar o povo. Fazer proselitismo com o propósito de afirmar poder institucional, ou ação social com a mal disfarçada intenção de “forçar” a conversão dos beneficiados, são apenas algumas das formas de instrumentalização das pessoas. Quem age assim tem uma ação interesseira que não reflete o amor e graça que devem estar presentes nesse tipo de trabalho.

Também não se pode olhar para a sociedade e “espiritualizar” as mazelas sociais. Por mais absurdo que pareça, isso ainda é muito comum. Por esse raciocínio, a pobreza da África seria culpa dos cultos africanos (e não da espoliação dos colonizadores europeus ou da corrupção imperante). A pobreza de muitas famílias do nordeste seria culpa da idolatria (e não dos coronéis da política que se perpetuam no poder, mas não mudam a situação do povo).

Esse tipo de espiritualização da realidade gera indiferença e cinismo, pois isenta o sujeito de qualquer responsabilidade, já que a causa está numa esfera sobrenatural. Quem assim pensa entende que não há o que fazer, a não ser orar para repreender o “espírito da pobreza”, o “demônio da fome e da corrupção”, etc.

Não, definitivamente não pode ser esse o olhar da igreja para sociedade.

(continua…)


Márcio Rosa da Silva

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Porque ainda me empolgo

Por que, nos tempos em que vivemos, a mensagem daquele homem que andou por aqui há uns dois mil anos, chamado Jesus de Nazaré, ainda é relevante? Por que, depois de tanto tempo ainda é empolgante? Simples: ela continua revolucionária. Naquela época sua mensagem foi considerada uma loucura, um escândalo. Tão vanguardistas eram suas ponderações que logo tiveram que eliminá-lo, para calar sua voz. Mas a mensagem, fascinante e libertadora, continuava a arder nos corações de um punhado de discípulos e discípulas. Que conteúdos eram aqueles que não passavam despercebidos e que, ainda hoje, guardam seu caráter revolucionário? Vejamos.

A escravidão era institucionalizada e mesmo os mais piedosos servos de Deus não viam problema algum nisso. Era da “vontade de Deus”. Alguns nasciam abençoados, outros não, mas tudo era fruto dos decretos divinos. Daí vem esse cara lá de uma aldeia obscura chamada Nazaré, com um discurso de que não há diferença entre escravo e livre, pobre ou rico, homem ou mulher. Todos são iguais. Não há hierarquia, tanto que seus seguidores serão chamados de amigos, não de escravos ou servos. Isso para os escravos, pobres e para as mulheres (se hoje ainda são consideradas inferiores por muitos – há grupos não permitem que elas integrem o sacerdócio, por exemplo – imagine naquela época) era uma boa notícia (verdadeiro evangelho, que significa, literalmente, boa nova). Mas para os senhores de escravos, para os ricos e para os homens que não consideravam as mulheres tão dignas quanto eles, era algo perigoso, era ofensivo. Será que muitos ainda não consideram perigosa a idéia de que todas as pessoas tem a mesma importância?

Deus era monopólio da religião institucionalizada. Alguém que não cumprisse os ritos e as ordens emanadas do clero judaico estava condenado à danação eterna. Daí, o tal Jesus apresenta a possibilidade de relacionar-se com Deus sem a intermediação de uma religião institucional. Através dele, Jesus, e não através de uma religião é que se chega a Deus. A fúria dos donos da religião era inevitável. Aquela mensagem era uma ameaça aos seus negócios. Hoje, quase dois mil anos depois, ainda há quem imagine que sua religião tenha o monopólio de Cristo e que qualquer pessoa que não esteja de acordo com suas percepções está condenada ao fogo do inferno. Elas precisam ser avisadas de que Deus não tem religião, não é membro de nenhuma instituição registrada em cartório e não pode ser considerado propriedade de nenhuma igreja. Mas isso é demais para alguns que se acham portadores da verdade final sobre Deus. Aliás, é uma ameaça aos seus negócios. Entretanto, é revolucionário e libertador.

Num mundo em que não conseguimos lidar com nossas diferenças, em que muitos ricos e poderosos se acham mais importantes que os demais e que ainda tem gente que acredita ter o monopólio sobre Deus, a mensagem de Cristo continua absolutamente revolucionária. E empolgante!


Márcio Rosa da Silva

sábado, 23 de abril de 2011

Pedro

Eu acho engraçado ver religiosos quererem posar de pessoas incrivelmente perfeitas, que não tem sombras, somente luzes. Todos nós somos feitos de sombras e luzes. Acho uma grande tolice insistir que a santidade consiste em nunca errar, nunca ser incoerente. Quem é absolutamente coerente?

Essa empáfia é desmascarada quando Jesus desafia aquele que não tem nenhum pecado a atirar a primeira pedra na mulher adúltera. Fico feliz que tenha sido naquele contexto, porque se Jesus fizesse a mesma pergunta hoje, em muitos lugares, tanto a mulher, quanto ele (Jesus) iriam levar muitas pedradas, porque o que não falta é gente achando que não tem pecado algum.

A Bíblia é um conjunto de livros que mostra o lado bom e o lado ruim de seus personagens. O que só traz mais autoridade a ela, porque não faz de seus personagens heróis sobre-humanos, ou super-humanos, mas mostra-os na plenitude de sua humanidade.

Pedro é um dos personagens mais interessantes dos Evangelhos, porque ele tem essa inconstância tão humana, essa incoerência que nos é muito próxima. Pedro tinha grandes virtudes, entretanto tinha também sérios desvios de caráter. Mas, no fim das contas, Pedro era um grande amigo de Jesus. E Jesus gostava dele mesmo sabendo quem ele era.

Pedro era um simples pescador com um desprendimento enorme, tanto que largou tudo e seguiu a Jesus assim que foi chamado. Tinha uma coragem incomum, do tipo que o fez caminhar sobre as águas ao comando do Mestre. Sua percepção sobre Jesus era clara, pois o reconhecia como o Cristo. Por outro lado, mostrou-se medroso várias vezes, intempestivo outras e, no pior momento de sua vida, de maneira covarde, negou que conhecesse Jesus.

Quem pode condenar Pedro? Também negamos a Jesus toda vez que nos recusamos a viver do modo como ele propôs. A negação acontece quando somos egoístas em vez de altruístas, avarentos em vez de generosos, quando mentidos em vez de dizer e viver a verdade. Nós O negamos quando nos recusamos a fazer algo para mudar esse mundo para melhor, quando em vez de amarmos as pessoas, usamo-las como coisas descartáveis. Negamos a Jesus quando deixamos de ser um vislumbre do Seu amor e do Seu Reino, quando não amamos as pessoas como a nós mesmos.

Pedro, mesmo depois de tudo o que viveu com Jesus, tinha seus problemas. Mesmo depois da experiência do pentecostes, ainda se viu envolto com sua dubiedade de caráter, sendo repreendido por Paulo por conta disso. Não houve uma transformação radical e repentina. A mudança é sempre gradual e fruto de uma caminhada, nunca algo que acontece com num passe de mágica.

Depois de tudo, ao redor de uma fogueira Jesus queria saber tão-somente do amor de Pedro, a santidade viria com o tempo. Jesus sabia das contradições de seu discípulo e de sua humanidade e mesmo assim o amava.

Se houve esperança para Pedro, também para mim, humano que sou, haverá.


Márcio Rosa da Silva

terça-feira, 19 de abril de 2011

Amigos dão significado à vida

Quando os discípulos de Jesus viviam um momento dramático, às vésperas de perderem seu grande referencial, que era o próprio Cristo, este os conforta dizendo que queria tão-somente que eles fossem seus amigos: “não vou chamá-los de servos, agora vou chamá-los de amigos”.

Essa proposta de amizade coloca a relação entre eles num outro patamar. Não mais só mestre, ou líder religioso, ou qualquer outra coisa, mas também e, principalmente, amigo. E uma amizade que não ficasse apenas no nível das superficialidades. A proposta dele não é pra ser apenas um conhecido, um colega de trabalho, um irmão da igreja. Tampouco para ser um soldado ou um escravo, mas um amigo.

É uma amizade de verdade, franca, aberta e onde há um grande amor, pelo menos por parte de Jesus que diz: “Não há maior amor do que dar a vida pelos seus amigos”. Foi o que ele fez.

Ninguém vive sem amigos.

No fundo Jesus sempre quis que seus discípulos fossem seus amigos. Por isso, talvez, ele valorizou tanto os momentos triviais, informais. Um jantar na casa de Zaqueu, um bate-papo com Maria, na casa de Marta em Betânia, um copo d’água na beira de um poço com uma mulher samaritana, uma jantinha com pão e vinho com os discípulos, um peixinho assado com pão depois da ressurreição, na praia. Momentos sagrados para celebrar a amizade.

Creio que o grande desejo de Deus, desde a criação, é ser nosso amigo. Que fôssemos seus amigos. Cristo é a iniciativa de Deus para estabelecer essa amizade. Ele nos escolheu. Ele escolheu vir ao mundo para fazer-nos uma proposta de amizade.

Ah, se soubéssemos o que é ser amigo de Jesus. Somos como aquela mulher samaritana que ouviu de Jesus: Ah se você soubesse quem lhe pede água, você lhe pediria e ele te daria a água da vida. Se nós soubéssemos quem é que nos pede nossa amizade, nós lhe pediríamos ele nos daria sua eterna amizade, que é vida, que nos dá sentido à vida.

Amigos dão sentido à nossa vida, como escreveu Carlos Drummond de Andrade: “Precisa-se de um amigo que faça a vida valer a pena, não porque a vida é bela, mas por já se ter um amigo. Precisa-se de um amigo que nos bata no ombro, sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo. Precisa-se de um amigo para ter-se a consciência de que ainda se vive”.

Além do amigo Jesus, não teríamos condições de viver sem os amigos de carne e osso ao nosso redor. Talvez por isso o mandamento: “amem-se uns aos outros como eu os amei”. Ele sabia que a vida só é possível quando amamos e quando temos amigos que também nos amam. Uma vida assim, repleta de amigos, em que se celebram como sagrados os momentos com os amigos e onde há disposição a sacrifícios pelos amigos, proporciona uma existência plena de significado.


Márcio Rosa da Silva

quarta-feira, 23 de março de 2011

Tsunami e uma teologia da compaixão

Assisti, com assombro, às imagens do terremoto e do tsunami no Japão. A força do abalo sísmico e o poder das ondas gigantes engolindo tudo de modo avassalador impressionam. Admira-me, também, a capacidade que os japoneses tem de lidar com eventos desse tipo, o preparo que o país tem para diminuir os efeitos dessas catástrofes. Fosse num país pobre, centenas de milhares teriam morrido. Mesmo assim é triste ver que muitos morreram e alguns milhões estão numa situação precária.

Não tenho dúvida que eles conseguirão se reerguer. Um país que já passou por várias tragédias naturais, crises financeiras severas e por duas bombas atômicas, vai se recuperar. Triste mesmo para as famílias que perderam a quem amavam. Para estas, ainda que o país, como um todo, se recupere, o lamento pela perda e a dor por quem se foi vai continuar.

Por outro lado, fico devastado com as afirmações de que Deus desejou tal tragédia para que pessoas se rendam a Jesus e, no fim, tudo redunde em glória para Si. Chego a ver sangue nos olhos de quem sente certo gozo com acontecimentos como o do Japão, vociferando que são “apenas” cumprimento de profecias bíblicas. Não há compaixão pelas pessoas, apenas contentamento em reafirmar “verdades” inquestionáveis. Lamento.

Lamento que, em nome de Deus, se digam palavras tão agressivas e tão desprovidas de compaixão, de amor, que é a essência de Deus. No momento de se tornarem gigantes de misericórdia e solidariedade, se apequenam, tentando defender a idéia de um Deus que determina tragédias e cuja glória se alimenta da dor das pessoas. Esse é um ídolo, não Deus.

Admitir que Deus esteja determinando tudo o que acontece e que nada foge ao seu controle, é jogar na conta de Deus todo o mal do mundo. Se assim fosse, o estupro de uma criancinha seria querido e determinado por Deus, para sua glória. A morte de um filho ainda moço seria algo que redundaria em um bem maior, mesmo que seu pai já fosse um homem piedoso. A fome em países africanos, ou na periferia de nossa cidade, seria algo da vontade de Deus. E não é. Pelo menos não é da vontade do Deus Pai de Jesus Cristo, pleno de amor, que nos chama à compaixão e à solidariedade.

Não, não creio que Deus determinou o terremoto e o tsunami no Japão, foi o movimento das placas tectônicas. Não estamos na Idade Média, sabemos como essas coisas acontecem. Vontade de Deus é que todos sejam compassivos e solidários aos que sofrem todo e qualquer tipo de dor, de longe ou de perto. O que Deus determina é que sejamos como o bom samaritano, que, ao contrário de oficiais da religião da época, que passaram ao largo, cuidou de quem estava agonizando à beira do caminho.

Se nossa teologia não servir para promover a vida e dignificar a pessoa humana, para nada serve. Ou melhor, serve sim, para agudizar a dor dos que já sofrem e alimentar o cinismo de quem pouco se importa.

Fico com o Deus de Jesus Cristo, que se coloca ao lado do que sofre, e, de tanto que ama, sofre também. E me convida a fazer o mesmo, para que minha vida seja uma expressão de seu amor, seja um milagre para os que esperam por ele e, então, sua glória seja manifesta.


Márcio Rosa da Silva

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

A face do necessitado é a face de Cristo

Era uma reunião comum, porém com certa formalidade. Apenas os homens estavam na sala, entre eles Jesus, Simão, o leproso, e Lázaro, o que havia sido ressuscitado. Eles eram servidos por Marta, pessoa conhecida por sua diligência quanto aos deveres domésticos. As mulheres não podiam sentar-se à mesa com os homens, elas não eram dignas disso, pelo menos era o que se achava. Abruptamente entra uma mulher na sala, não vem carregando uma bandeja com quitutes ou bebida, mas um vaso feito de um material precioso. Dentro do vaso há um perfume caríssimo, coisa que qualquer trabalhador demoraria um ano pra comprar. Ela quebra o vaso e derrama todo o perfume nos pés de Jesus, depois enxuga com os cabelos.

Os convivas logo reprovam a atitude da mulher. Ela quebrou as regras que impedem as mulheres de participarem das reuniões masculinas. Também, segundo os homens da sala, cometeu um grande desperdício, porque aquele perfume poderia se vendido e o dinheiro dado aos pobres. Maria, esse era o nome dela, Maria de Betânia, ainda de cócoras, é achincalhada pelos comensais, sente-se ainda mais indigna.

Jesus, que sempre toma o partido dos fracos, ele mesmo assumiu a fragilidade humana para si, acolheu Maria e a elogiou. O discípulo que a repreendeu parecia ético e preocupado com os pobres, mas era mentira, ele queria mesmo era posar de bom moço usando como pedestal a frágil mulher. Mas aquele que consegue discernir as intenções do coração o repreendeu e resgatou a dignidade da mulher. A intenção dela era pura e sua ação também era correta. Ela quis cuidar de Jesus, que estava prestes a sofrer sua paixão. Maria expressou o amor a Jesus através do seu cuidado. Grata que era por ser amada pelo Senhor, quis cuidar dele num momento crucial.

Conheço muita gente que diz ser grata a Jesus e que o ama. Pois bem, há infinitas oportunidades de expressar esse amor. Há muitos cristos por aí para que derramemos nossos cuidados aos seus pés. São os que têm fome, os que estão doentes, os que estão presos, os marginalizados. São também aquelas pessoas que precisam de uma ajuda para conseguir uma profissionalização, uma orientação jurídica, uma consulta médica. São aqueles que precisam de um momento de descontração no meio de uma implacável vida de pobreza. São crianças que estão num abrigo ou aquelas que, mesmo em suas famílias, aguardam o Papai Noel no dia 25 de dezembro, e ele insiste em não aparecer.

Jesus disse que o que fizermos a um desses seus menores irmãos, a ele o fazemos. Se amamos a Cristo, está na hora de expressar nosso amor através do cuidado, enxergando Sua face na face do oprimido, do marginalizado, do pobre e do necessitado. Por outro lado, se desprezarmos aqueles que precisam e a quem podemos ajudar, não é só a eles que desprezamos, mas também ao próprio Cristo e mentimos quando dizemos que amamos a Deus.


Márcio Rosa da Silva

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

A vida é a arte do encontro

Vinicius de Moraes foi quem disse a frase do título no meio do Samba da Benção, linda canção do poeta e diplomata. Ele ainda completou dizendo: “embora haja tanto desencontro pela vida”. A vida só faz algum sentido por conta de nossos encontros e desencontros.

Quando criança tudo o que se quer é o conforto do colo materno, a segurança do abraço paterno e a alegria dos momentos fraternos descontraídos. Sair correndo para abraçar o pai, a mãe ou mesmo o tio na porta da escolinha é uma celebração. A celebração do encontro. Cedo aprendemos a celebrar esses momentos mágicos e cheios de afetos que são os encontros com os que amamos.

A adolescência chega e já não se quer a presença tão próxima dos pais, agora o encontro é outro, o primeiro amor, a primeira paixão. Ah, como é esperada a hora de ir para escola para ver a garota que faz sentir um frio no estômago, os batimentos cardíacos acelerarem e a boa secar. O primeiro amor é celebrado num mundo que se revela pleno de sentimentos. Mas como há tantos desencontros pela vida, na maioria das vezes aquele primeiro amor se desfaz e o mundo desaba. Mas outros virão.

Amigos, os encontros que duram a vida inteira. Como são raros, mas como são preciosos. O bom amigo não cobra a sua presença, mas parece estar sempre presente. Sabe se ausentar quando necessário e sabe estar presente quando se precisa dele. Mesmo quando se distanciam e ficam anos sem se falarem pessoalmente, quando se vêem os verdadeiros amigos celebram, sem cobranças, e continuam a conversa de onde tinham parado da última vez que se viram. É uma pena que haja distanciamentos, que amigos se afastem, e, às vezes, virem até inimigos.

E quando achamos uma pessoa a quem amamos e que nos ama também e percebemos que queremos estar com aquela pessoa todos os dias, a vida inteira? Que coisa fantástica. Daí a vida é só encontro. Nem sempre dá certo, mas vale à pena tentar.

Em meio a todos os encontros e desencontros, há Um que deseja se encontrar conosco, mas insistimos em pegar rotas outras. Ainda bem que Ele está em todos os caminhos. Bom é ter sensibilidade para perceber no sorriso carinhoso da criança, no olhar embevecido do apaixonado, no abraço afetuoso do pai e no colo sempre disponível da mãe, além de um momento especial com as pessoas que amamos, um encontro com Aquele que nos ama. Deus é amor. Se nossos encontros são celebrações de amor, também são reveladores da sutil presença dEle.

Eu sei, às vezes parece que Ele é quem se afastou de nós. Até o crucificado perguntou o porquê do abandono. Mas são momentos em que é necessário estar só. Acredite, eles são necessários. Bom é saber que chegará o dia em que nosso encontro com Ele será definitivo e não haverá mais desencontros.

Até lá, vamos fazendo nossa vida ter sentido nos aprimorando na arte do encontro.


Márcio Rosa da Silva

Encontros e Despedidas

Todo ano é assim, quando chega o momento de ir embora não dá para segurar as lágrimas, o nó na garganta, a tristeza. Abraços apertados e demorados, sentidos. Frases curtas, voz baixa, embargada, e rostos banhados. Quando fui abraçar e beijar a minha avó, como sempre eu me despeço dela por último, meu rosto molhado tocou o rosto molhado dela. Encontro de lágrimas, encontro de dores, uma saudade antecipada, um sofrimento que se antevê. A dor da despedida.

Uma semana antes o clima era outro. Os abraços eram apertados, mas festivos. Em vez de voz embargada, todos falando alto, exaltados, entusiasmados. Risos, gargalhadas. Era o clima do reencontro, da chegada, o desaguar da saudade em presença.

Melhor seria se não houvesse despedidas. Talvez não ir visitar os queridos, para não ter que se despedir deles. Mas para me privar da dor da partida, me privaria também da alegria do encontro. Se quisesse evitar a dor do abraço de despedida, também não teria o festivo abraço da chegada. Prefiro enfrentar a aguda tristeza do beijo banhado de lágrimas do que jamais sentir a alegria do abraço carregado de afeto e saudade represada do reencontro.

Já se disse que viver é aprender a se despedir. A vida é feita de ciclos e também de despedidas. A criança que tem de abandonar as coisas pueris, porque está ficando grandinha. O adolescente, que ainda sem ser adulto, tem que deixar as coisas de criança. O adulto que tem assumir todas as responsabilidades da vida e se desprender das coisas de adolescente. Os pais que vêem os filhos indo embora depois de adultos. Os velhos, que têm que aprender a se despedir de tudo e sabem que também terão que se despedir da vida. Despedidas. Em cada uma delas, os sentimentos de que falei no início estão presentes.

A única coisa que me consola em despedidas é a esperança. Quando me despeço da minha mulher com um beijo, no início do dia, o que me alegra é a esperança de encontrá-la mais tarde para celebrarmos, de novo, a presença um do outro. Todo ano, quando choro abraçado com minha avó, consolo meu coração com a esperança do reencontro. Quando um ciclo da vida é encerrado, há a possibilidade de novos horizontes, de um novo ciclo.

Por outro lado só houve despedida porque antes houve um encontro. Para aprender a me despedir também preciso aprender a celebrar intensamente os momentos. Só chora a despedida quem celebra o encontro. Se a despedida é indolor, também a presença é irrelevante. E se a despedida é temperada com esperança, haverá dor, mas não desespero.


Márcio Rosa da Silva

domingo, 5 de setembro de 2010

O pão seco de uma religisiodade egoísta

Quando Jesus multiplicou o pão e alimentou uma multidão, ele olhava para além da fome física. Havia uma fome naquela multidão que só seria saciada com um outro tipo de pão. É uma fome que todos nós temos, mas não é apenas do pão que perece, não é apenas de comida, nem uma sede só de bebida. É mais. É como aquela saudade de tudo o que ainda não vi, como cantou Renato Russo. É como uma ânsia pelo transcendente que não se explica, apenas se sente. É como aquele sentimento tão bem poetizado por Agostinho, o Santo: “Fizeste-nos para Ti e inquieto está o nosso coração enquanto não repousar em Ti”.

A questão é: as pessoas querem realmente o pão que sacia essa fome? Ou será que buscam soluções que não passam de um arremedo formado por uma religiosidade medieval? Será que em vez de buscarem o Pão da Vida, querem mesmo é um naco de um pãozinho seco que é oferecido facilmente, mas que não alimenta a alma nem dá sentido a vida, apenas mata a fome por um instante e depois se quer mais.

Em outras palavras, será que as pessoas querem mesmo Jesus e sua mensagem, ou querem um deus que resolva seus problemas e as ajude a se darem bem sem muito esforço?

A parte mais visível, mais midiática, da igreja brasileira conseguiu vender um cristianismo medieval pré-reforma. Naquela época as pessoas pagavam para terem um lugar no céu, para conseguirem o favor divino, acreditavam em relíquias, etc. Pois hoje há uma multidão que lota auditórios disposta a pagar para conseguir um emprego sem muita dificuldade, para passar no concurso sem muito estudo, para ter uma doença curada sem nenhum tratamento. Estão dispostos a pagar o que for necessário para serem considerados filhos preferidos de Deus.

Não querem saber do Deus de amor, mas querem muito saber do deus de milagres, ainda que se tenha que pagar por eles. Mercantilizaram a fé. O produto maior desse comércio diabólico é deus. Não Deus, o Deus de Jesus, o Deus dos Evangelhos, mas um deus, um deusinho caprichoso, que aceita suborno para abençoar seus filhos. O Deus de Jesus não aceita suborno!

Deus não tem filhos preferidos. Deus nos ama a todos igualmente, com a mesma intensidade, com o mesmo amor. Porque vou exigir que Ele dê mais atenção para mim, então? Oração não é convencer a Deus do que é o melhor a fazer. Oração é derramar-se diante de Deus, para ser transformado por Ele, e não para transformá-lo. Oração é uma conversa entre um filho e um Pai, de maneira desinteressada, em que o filho se contenta em simplesmente ter a presença discreta do Pai.

A proposta de vida que Jesus traz não é a de uma religiosidade mágica que livrará as pessoas das agruras a todos impostas. Ele reprova aqueles que o seguem por causa do pão. Fica insatisfeito com isso. Seu discurso é que se alimentem do Pão da Vida que desceu do céu. Que tenham comunhão com ele e com sua mensagem, que tenham o seu caráter, o caráter de Cristo. Isso seria se alimentar do Pão da Vida.

Infelizmente é grande a multidão que, em vez do Pão da Vida, prefere o pão seco de uma religiosidade egoísta, que de cristã só tem o nome.


Marcio Rosa

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Se creio em milagres?

Acho legítimo questionar a razão pela qual Jesus fez alguns milagres, que ficaram eternizados através da palavra escrita, nos Evangelhos. Sim, porque aqueles milagres não foram uma intervenção definitiva para exterminar determinado mal. Por exemplo, quando Jesus curou o cego de Jericó, ele não acabou com a cegueira no mundo, só serviu mesmo para aquele homem. Mas havia algum propósito maior em fazer aquele milagre para que aquela informação chegasse até nós? Acredito que sim. Penso que os milagres que Jesus realizou aqui na terra apontam para verdades de seu ministério messiânico.

Quando ele curou alguns da cegueira, ele apontava que estava possibilitando a cura da cegueira espiritual e existencial. Das trevas do distanciamento de Deus, agora as pessoas, todas as pessoas, poderiam ver a luz, manifestada através de sua vida, encarnação do Verbo, Deus feito homem.

Não entendo que Jesus fez tais sinais para que as pessoas cressem nele. Ao contrário ele demonstrou insatisfação ao dizer que as multidões o seguiam por causa do que ele podia fazer e não exatamente por conta de sua mensagem. Ele bem sabia o que se passava no coração das pessoas. Os milagres não seriam suficientes para consolidar a fé de ninguém. Tanto é que ele foi abandonado por quase todos durante sua paixão.

Jesus disse que faríamos obras maiores do que as que ele fez. Com base nisso alguns televangelistas dizem que fazem mais milagres do que Jesus fez, pelo menos é essa a propaganda. Mas não posso concordar que seja assim, da forma grotesca como se mostram nos programas religiosos televisivos. Sim, obras maiores já acontecem. Um médico oftalmologista, hoje, pode dar vista a muito mais pessoas do que Jesus, em sua época, por causa da benção da medicina. Surdos podem ouvir com um simples aparelho. Outros conseguem “ouvir” pelas mãos de dedicadas pessoas através de Libras. Pessoas condenadas à morte voltam à vida por conta de avanços da medicina. Chegará o dia em que paralíticos serão curados, o câncer, a AIDS e outras doenças serão curáveis. Essas são as obras maiores que as de Jesus.

E há alguns milagres que são quase uma ordem de Jesus para fazermos o mesmo. O caso da multiplicação de pães é uma indicação clara de que nós temos que erradicar a fome no mundo através do compartilhamento. Sim, nós podemos fazer isso, o mundo pode fazer isso, mas não o faz. Um milagre possível, porém que a humanidade se nega a fazer. Já reparou que aqueles senhores milagreiros da TV fazem um monte de milagres que dependem da pessoa que os recebe? Uma dor de cabeça que passa, um “caroço” que desaparece. Mas eles nunca fizeram um desses milagres de multiplicação de pães. Se é pra fazer igual Jesus então tinha que multiplicar pães e transformar água em vinho também. Mas isso dependeria da fé deles e não do fiel, então seria outra estória…

Prefiro ficar com o caráter messiânico dos milagres de Jesus que apontam sempre para outras realidades, muito superiores à necessidade imediata. Jesus não transformou água em vinho em Caná, apenas para que os convivas ficassem “encharcados”, mas para apontar que ele estava trazendo para esse mundo, através de sua vida, uma mensagem cheia de Graça e alegria em lugar da sensaboria de uma religião que não proporcionava um relacionamento verdadeiro com Deus. E a vida de Jesus é o maior milagre do universo. Nisso eu creio.


Marcio Rosa

terça-feira, 15 de junho de 2010

Igreja boa não é a que ajunta, mas a que espalha

Nós temos uma vontade muito grande de que as pessoas nos sigam, de que possamos ser influentes. O Twitter é um exemplo claro disso. Tem prestígio quem tem muitos followers (seguidores). Assim também no Orkut, Facebook e outras redes sociais na internet, quem tem muitos amigos adicionados no seu perfil tem prestígio.

Da mesma forma, uma grande organização comercial sempre vai alardear quantas filiais possui, quantos empregados trabalham nela, quantos clientes tem, qual o faturamento da empresa, etc. Isso traz prestígio, se os números foram grandes, claro.

No mundo religioso, em especial no Ocidente, não parece ser diferente. Já virou motivo de piada os números “evangelásticos” de alguns movimentos. O evento reuniu 200 mil pessoas, mas a organização diz que foram um milhão de pessoas. E assim sempre.

Já se perdeu a conta de quantos livros já foram escritos para ensinar como fazer a igreja crescer. São livros que vendem como água, porque pretensamente “ensinam”, em poucos passos, como fazer a igreja local crescer e como tornar os membros da igreja fiéis. Em outras palavras, como fidelizá-los para que eles não saiam daquela igreja e ainda estejam sempre dispostos a fazer o que líder mandar.

Depois se diz que tal movimento realmente é de Deus porque cresce muito e as pessoas aderem a ele fervorosamente. É preciso ter cuidado ao dizer que o fato de muitas pessoas aderirem a um movimento o torna legítimo. O Nazismo contava com a adesão fervorosa de milhões e pessoas. E era o Nazismo.

O tamanho não legitima nada. Apenas dá poder ao movimento, à organização, seja lá o que for. Igreja, partido político, organizações comerciais, ou mesmo organizações criminosas, o que for, sempre que houver muita gente, esse grupo será poderoso, mas isso não quer dizer que as ações dessa organização sejam legítimas.

É evidente que eu sou um fervoroso defensor de que a igreja tem mesmo que crescer e ser frequentada. Ela é a comunidade dos seguidores de Jesus, e nas suas reuniões há, ou deveria haver, estímulo, oração comunitária, louvor comunitário, ajuda mútua e isso é muito bom. Aprendemos juntos sobre a palavra de Deus e aprendemos uns com os outros a viver essa palavra. Isso é muito desejável.

Mas ter uma igreja com muitas pessoas não é um fim em si mesmo. É uma oportunidade para dizer às pessoas que, ao saírem das reuniões da igreja, elas devem ser verdadeiros discípulos de Jesus indo pelo mundo, não apenas ficando na igreja, mas saindo dela e sendo realmente sal e luz num mundo que carece de um reflexo de Jesus.

Por diversas vezes, Jesus disse vem. Assim foi com seus discípulos, que depois formaram o grupo de apóstolos e para tantos outros. Mas, mais do que dizer “vem”, Jesus disse “vai”. Sim, há mais ordens de Jesus dizendo “vai”, do que dizendo “vem”. Ele não estava tão interessado em ter muitos seguidores, mas sim em que as pessoas que tivessem se encontrado com ele fossem embora, agora vivendo suas vidas de modo diferente, amando a Deus e às pessoas.

Penso que, em vez de querermos que a igreja seja composta de uma multidão que apenas se reúne, temos que desejar que a igreja seja uma multidão que se espalha e, por onde passa, reflete a pessoa de Jesus Cristo.


Marcio Rosa

domingo, 16 de maio de 2010

Uma proposta radical de espiritualidade

A espiritualidade na época de Jesus era avaliada pela estética. Em especial para os fariseus, grupo sectário dentro do judaísmo, tudo o que importava era cumprir um programa de aparência exterior. Qualquer coisa que fugisse daquele padrão por eles estabelecido os agredia e era considerada uma heresia.

Os tempos mudaram, mas o modo como se avalia a espiritualidade de alguém, não. Ainda se usam as mesmas medidas dos fariseus contemporâneos de Jesus. Ainda se valoriza uma espiritualidade apenas estética. Ainda há melindres e preconceitos mil. Ainda se julga pela aparência.

Jesus faz uma proposta muito, mas muito mais radical de espiritualidade: amar a Deus com todas as suas forças, entendimento e de todo o coração e ao próximo como a si mesmo. Tornar-se um cristão não é converter-se a uma doutrina, mas ao amor.

Jesus quebrou os paradigmas da época para viver uma espiritualidade baseada tão-somente no amor, que é a graça. Ele disse algumas vezes que veio para salvar e não para condenar, veio para os doentes e não para os (que se acham) sãos.

Isso fica bem claro quando ele dialoga tranquilamente com uma mulher samaritana (o que era proibido aos “homens de bem” da época), quando, em vez de dispensar uma multidão faminta, sente compaixão dela e a alimenta, quando recebe a unção por uma “pecadora” que chora aos seus pés e os enxuga com os cabelos, quando ele perdoa uma mulher que a turba estava disposta a apedrejar.

Tem, pois, Jesus, autoridade para nos fazer um chamado radical, para viver uma espiritualidade baseada no amor. Espiritualidade cristã é saber amar. Quem não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor. Lembrando que o próximo a ser amado é a minha família, meus amigos, meus irmãos, mesmo pessoas desconhecidos e até inimigos.

O chamado é para um amor semelhante ao de Deus, que não cobra nada, não cobra desempenho, apenas se oferece. É aquele amor que cobre uma multidão de pecados. Que não se importa em ter uma verdade superior e implacável, mas que apenas ama. É um amor que não reprova todos ao redor, mas apenas ama.

Desconfie de quem mantém uma estética espiritual e religiosa irrepreensível, mas fala de outros de maneira impiedosa e implacável. Os fariseus saíam de suas orações e jejuns para planejar o assassinato de Jesus. Quem ama, ama a despeito dos muitos defeitos dos outros e reconhece as suas próprias fragilidades e limitações. Quem ama sempre tem uma palavra de apreço, de compaixão e de misericórdia, porque a boca fala do que o coração está cheio.

Com indivíduos conscientes dessa radicalidade do amor, a igreja deve ser uma comunidade de amor. Não um amontoado de gente implacável e sem misericórdia. Não é um museu para santos, mas um hospital para pecadores, como disse Brennan Manning. Um lugar que seja um oásis de amor, em meio a um deserto de indiferença, onde com graça, todos, indistintamente, sejam acolhidos. E isso é muito radical.


Marcio Rosa

sábado, 15 de maio de 2010

A religião desconectada da vida é irrelevante

A religião contemporânea responde aos atuais questionamentos das pessoas? O cristianismo dos dias de hoje oferece respostas razoáveis? A igreja cristã, em especial a evangélica, tem respostas relevantes para a vida das pessoas?

Faço esses questionamentos porque tenho a impressão de que a igreja tem sim várias respostas e, pretensamente, para quase tudo, mas temo que tais respostas não se encaixem nas perguntas que as pessoas estão fazendo no mundo de hoje. O mundo mudou e as inquietações também. O mundo continua inquieto, as pessoas continuam querendo obter respostas, mas é preciso tentar discernir quais são essas inquietações.

Corre-se o risco de a religião e a igreja ficarem desconectadas da vida, totalmente irrelevantes para o cotidiano das pessoas, sem nenhum impacto positivo no mundo. Um discurso vazio de significado, distante mesmo das mais profundas necessidades humanas. Algo que já não causa mais nenhum estranhamento ou encantamento, nenhum conforto ou desconforto existencial.

A mensagem apresentada por Jesus não passava despercebida por ninguém que a ouvia, porque a quem ela não encantava, ela escandalizava. Trazia conforto para os marginalizados e excluídos, mas também desconforto para todos, porque os fustigava a romper antigos paradigmas e ter uma nova visão do mundo e da vida. Jesus desvelou a hipocrisia dos donos da religião de sua época e denunciou sua irrelevância. Pior, além de irrelevante, Jesus ainda mostra que em vez de produzir vida, a religião estava encalacrada em processos de morte, em vez de libertar as pessoas, estava submetendo-as a um horroroso tipo de escravidão em nome de Deus.

Então fico muito preocupado que isso esteja se reproduzindo na atualidade, bem diante de nossos olhos. Instituições e discursos religiosos que em vez de produzir vida, anula a vida das pessoas, uma vez que proíbe qualquer possibilidade de prazer e contentamento. Em vez de libertar, aprisiona, agrilhoa com ameaças, medo, pavor do castigo da divindade. Proíbe-se até mesmo de pensar. Só se pode reproduzir o pensamento do clero ou dos líderes, mas não se pode pensar livremente.

Será esse o papel da religião? Será essa a boa notícia anunciado por Cristo? Acredito que não. A mensagem evangélica, genuinamente cristã, deve produzir vida, liberdade, e é essencialmente uma mensagem de amor. Qualquer religiosidade que não seja promotora de vida, justiça, amor e liberdade não pode ser considerada cristã e deve ser repensada e reformulada.

Que tenhamos a sensibilidade de ouvir mais o mundo, reformular nossa teologia a partir da proposta de Cristo e, de maneira conectada com a vida, oferecer não respostas definitivas e verdades absolutas, mas pistas para uma vida com significado relevante, para uma caminhada bonita de promoção de justiça, liberdade, solidariedade e amor. Assim nos ajude Deus.


Marcio Rosa
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