domingo, 7 de setembro de 2008

Tempo de quietude

Eu estava de saída para uma viagem a Santiago do Chile, a fim de participar de uma conferência com pastores e líderes locais. Ainda no aeroporto, aguardando o vôo, conversava com Deus sobre o meu momento de vida. Dentre muitas coisas, pedia ao Senhor sabedoria e orientação diante do cenário que me envolvia. Semanalmente, novas oportunidades surgiam diante de mim; novas demandas emergiam em minha agenda e novas conversas aqueciam meu coração para projetos aparentemente fascinantes.

Estava preocupado diante de tudo aquilo que acontecia. Sei que uma das razões que fazem com que homens e mulheres de Deus acabem por se perder, mesmo que bem intencionados em suas motivações iniciais, é a falta de uma clara percepção acerca do mover de Deus em suas vidas. Muitos passam a entender que toda oportunidade que surge é uma porta aberta pelo Senhor, ou que toda demanda que emerge é um desafio lançado pelo Espírito Santo. Há também aqueles para quem qualquer conversa que lhes aqueça o coração é uma visão de Deus que precisa ser assumida.

Para os que enxergam a vida nesta perspectiva, o mover de Deus acaba se confundindo com o empreendedorismo de nossos tempos ou com o anseio insaciável de nossas almas por sermos tidos como pessoas relevantes diante do mundo. Para gente assim, o mover de Deus sempre as convida para um tempo de ir, correr e vencer. Não existe a possibilidade de o Senhor chamá-las a um tempo de ficar, aquietar-se e renovar-se. Por isso mesmo, querendo conquistar o mundo, acabam, infelizmente, perdendo a própria alma. Em meio às muitas oportunidades, demandas e desafios, confundem a ação do Senhor com as expectativas do meio ou com os anseios de seus próprios corações.

Na vida do rei Davi, os desertos se tornaram o convite de Deus para um tempo de contemplação e reflexão. Ele era um homem movido por desafios e com constante ímpeto para a ação – por isso, parece que somente em meio às adversidades ele encontrava tempo para redimensionar seu próprio coração. Assim, quando lemos as orações de Davi no livro de Salmos, percebemos um homem sondando sua própria alma e procurando perceber a ação de Deus em sua vida. Em situações de adversidades, dores e aflições, Davi se convencia de que seu Deus não o convidava constantemente a ir, correr e vencer; mas, em algumas ocasiões, o impelia a ficar onde estava, aquietar o coração e renovar sua alma.

Maria, irmã da superativa e dinâmica Marta, viveu uma situação diferente. Em sua vida, o tempo de ficar, aquietar-se e renovar-se não é fruto de uma situação criada por Deus, mas de opções que precisava fazer. Cercada por gente constantemente voltada para a ação, que enxergava cada oportunidade como porta aberta pelo Senhor, cada demanda como um desafio do Espírito e cada conversa como visão de Deus, torna-se normalmente mais difícil encontrar espaço para aquela reflexão espiritual. Mas Maria rompe com seu ambiente, resiste às expectativas que as pessoas à sua volta tinham acerca de si e resolve sentar-se aos pés de Jesus para ouvi-lo. Jesus, por sua vez, encoraja a opção feita por Maria, demonstrando que na caminhada cristã há, sim, tempo de simplesmente ficar, aquietar-se e renovar-se.

Mas o maior exemplo de que Deus nos convida a esses momentos encontra-se na própria vida de Jesus. Em seu curto ministério terreno, Cristo tinha um enorme desafio diante de si. As demandas eram inúmeras; as necessidades, infindas, e as frentes de trabalho, imensas. No entanto, vemos nos Evangelhos episódios em que o Filho de Deus sobe montes ou procura lugares desertos a fim de simplesmente ficar, aquietar-se e renovar-se na presença do Pai. Apesar da pressão das multidões, ele afastava-se em submissão ao mover de Deus para um tempo de silêncio e descanso. No entanto, este não era um tempo de contraponto à sua missão – mas sim, um espaço integrante e essencial na mesma.

Durante uma manhã livre naquela viagem a Santiago, um querido e antigo amigo me levou para subir as cordilheiras até um lugar chamado Vale Nevado. Fomos e voltamos conversando sobre muitas coisas. Há muito tempo não tinhamos oportunidade de nos falar. No entanto, em meio às muitas palavras e diante de paisagens fantásticas, deparei-me com uma cena que me chamou a atenção. Do local, podiamos contemplar um enorme e fantástico monte coberto de neve. Seu aspecto era imponente e fascinante. Era impossível passar por ali sem admirá-lo. Mas ainda no mesmo foco de visão, bem mais próximo de nós, na margem da estrada, inúmeras árvores com seus galhos completamente secos contrastavam a imponência e fascínio da montanha branca.

Minha atenção ficou dividida entre as duas cenas contrastantes. Foi então que meu amigo, olhando para aquelas árvores, disse: “Interessante, não? Elas parecem mortas. Quem olha pensa que não resistiram ao inverno. No entanto, estão assim porque, percebendo o rigor da estação fria, concentram suas forças e energias no caule. As folhas caíram e os galhos secaram, mas toda a sua vitalidade encontra-se concentrada no caule. Para elas, agora não é o tempo de florescer, mas de resguardar-se para, no tempo certo, voltar a produzir folhas, flores e frutos. Este é o ciclo da vida.”

Ouvindo aquelas palavras e tendo os meus olhos fixos naquelas árvores, ouvi a resposta de Deus para a oração que havia feito antes de partir do Brasil. Nem sempre é hora de ir, correr e vencer. Existem tempos em que o Senhor nos convida a ficar em sua presença, e ali aquietar nossa mente e renovar nossa alma. Em meio a tantas coisas e situações que nos envolvem, precisamos ter a sensibilidade para perceber que o Senhor, por vezes, não deseja que façamos tudo ou aceitemos todos os desafios. Existe também o tempo em que seu mover nos convida a concentrarmos nossas forças e energias no que é essencial e imprescindível: a nossa relação com ele.

Às vezes, como acontecia na vida de Davi, Deus precisa criar desertos em nossa história para nos convencer desta verdade. Noutras situações, assim como o fez Maria, podemos exercitar nosso poder de decisão contra o meio que nos impele a constante atividade, optando por simplesmente quedar-nos aos pés de Cristo. Mas também podemos olhar para Jesus e perceber o convite para vivermos em maturidade, integrando este tempo como parte essencial e imprescindível da missão de Deus para as nossas vidas.


Ricardo Agreste

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