terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Prostar-se e Beijar

O cristianismo se apresenta como sendo singular entre as religiões do mundo. Nossa fé fala de um Deus diante de quem os maiores santos tiram seus sapatos, prostram-se, curvam-se, arrependem-se no pó e na cinza. Ao mesmo tempo, o cristianismo fala de um Deus que veio à Terra como um bebê, que demonstrou Sua misericórdia para com as crianças e os fracos, que nos ensinou a chamá-lo de Aba, que amou e foi amado. Os teólogos dizem que Deus é ao mesmo tempo transcendente e imanente. Deus inspira ao mesmo tempo amor, temor e amizade.

Para a maioria dos modernos, entretanto, um sentido de temor é recebido com enorme dificuldade. Domesticamos os anjos em bonecos rechonchudos e em ornamentos de Natal, fazemos humor com São Pedro na porta do céu, suavizamos o fenômeno da Páscoa com coelhos e substituímos a reverência de pastores e homens sábios em duendes graciosos e num homem alegre vestido de vermelho. O Deus Todo-Poderoso ganha apelidos como "O Grande Cara" e "O Homem Lá de Cima".

Recentemente, minha igreja procurou durante vários meses por um "pastor de adoração", quando desfilou uma parada de candidatos com suas guitarras e grupos vocais. Nenhum demonstrou conhecimento de teologia e nenhum nos levou a algo como reverência. Adorar hoje significa preencher aos brados todo e qualquer silêncio.

Gosto da celebração e da alegria aparentes em muitas músicas contemporâneas, mas estranho que estejamos tentando reduzir a distância entre a criatura e o Criador, uma distância eloqüentemente expressa por Jó, Isaías e os salmistas. João, o discípulo que Jesus amava e que se recostou nos Seus ombros, registra no Apocalipse que tremeu quando Jesus apareceu em plena glória.

O estilo de adoração balança como um pêndulo. Søren Kierkegaard disse, certa vez, que procuramos cultuar como se o pastor e o coro fossem os atores, e a congregação, a audiência, quando, na verdade, Deus deveria ser a audiência, o pastor e o coro, os ajudantes e a congregação, os verdadeiros participantes. Isso suscita uma interessante questão: que tipo de música Deus prefere? O Apocalipse nos apresenta cenas de criaturas adorando a Deus por meio da música e da adoração.

O moralista e escritor judeu Abraham Heschel observou que "a reverência, diferentemente do medo, não nos faz recuar diante de um objeto que inspira medo, mas, ao contrário, leva-nos para perto dele". Diz-se que Martinho Lutero orava com a reverência de quem se dirige a Deus e com a coragem de quem fala com um amigo.

Um líder de adoração, que está provocando um crescente impacto sobre a música cristã, esforça-se para manter a tensão entre os elementos da amizade e do medo. Matt Redman, autor de várias canções e líder do grupo Soul Survivor, se disse preocupado com a música de adoração que está pondo o foco nos músicos e não em Deus. Redman e seu pastor se atreveram a dar o passo de eliminar toda música dos seus cultos. Depois de um período de "jejum", ele voltou com uma nova compreensão da música. Eis o que ele disse numa entrevista. "A adoração é bem sintetizada em Efésios 5:10, que diz: ‘Aprendam a discernir o que é agradável ao Senhor.’ Quando falamos de música, precisamos pensar num oferecimento que vá agradá-lO, e obviamente Ele não está preocupado com música, com o estilo que estamos cultuando. Quando derramamos nossos corações com a música e com ela cingimos nossas vidas, provavelmente estamos no coração da adoração."

Redman continua explorando a fronteira entre a amizade e o temor, pois a adoração autêntica inclui a ambos. Essa deve ser a resposta adequada quando o Deus santo estende aos decaídos seres humanos o convite à intimidade. No Antigo Testamento hebraico, a principal palavra para adoração significa "prostrar-se em reverência e submissão". No Novo Testamento, a palavra grega mais comum para adoração significa "ir adiante para beijar". Entre os dois — ou numa combinação de ambos — está nossa melhor maneira de nos aproximar de Deus.


Philip Yancey

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