Decido não esperar que o próximo ano se assemelhe ao que termina. Determino que seja único. Estabeleço que diante do insólito, continuarei indeciso. Hesitante, dobrarei esquinas imprecisas, sem pensar nas conseqüências. Desatento, descumprirei as agendas do cotidiano. Imprevidente, não estocarei esperança.
Decido não controlar o porvir. Abro mão das simetrias. Desisto das sincronias. Rasgo as tabulações. Desmancho as sistematizações. Contente, não vou rastrear os augúrios celestiais. Sereno, enfrentarei o mal de cada dia.
Decido não tentar aplainar o que vem pela frente. Já busquei cinzelar a vida e me frustrei. Meus ideais viraram insultos, meus arrojos, fadigas, meus pressupostos, anátemas. Abdico de embotar as arestas que me ferem. Seguirei indefensável, buscando tão somente a verdade que me pareça verdadeira.
Decido não querer voltar ao passado que tanto amei. Vou reconhecer que a roda da vida não recua. Admitirei que, indelével, o tempo mastiga a todos. Repetirei até aprender: “Não soltar o que já se foi adoece a alma de melancolia”. Que a saudade seja uma doce recordação do que nunca há de reviver.
Decido endemoninhar a rispidez, aterrar a desconsideração, danar o escárnio. Preciso que a integridade de toda a intenção se concretize com deferência. Que a minha franqueza nunca se confunda com insolência. Que a graça se antecipe à virtude.
Decido obstinar-me na leitura. Pretendo disciplinar-me no impenitente amor à poesia. Quero enxovalhar-me com as cores, degustar as melodias, deleitar-me com os perfumes. Preciso aprender a temperar o insípido, colorir o baço, sensibilizar o entorpecido, orquestrar o desconsolado.
Decido procurar Deus no rosto sofrido da criança asiática, na mão suplicante da negra africana, no olhar amargo do ancião latino-americano. Quero descobri-lo nas iniciativas solidárias e na obstinação de defender a dignidade dos oprimidos.
Decido que o meu futuro venha sem mágica, sem inocência, sem extravagância, sem pudicícia, sem ostentação, sem pieguismo. Quero aprender a contentar-me com o simples, a gozar o instante sem culpa, a tecer emoções sem neurose.
E assim, de pouco em pouco, continuar torcendo para que o espantalho da morte se atrase para não prejudicar tantos planos.
Ricardo Gondim
Decido não controlar o porvir. Abro mão das simetrias. Desisto das sincronias. Rasgo as tabulações. Desmancho as sistematizações. Contente, não vou rastrear os augúrios celestiais. Sereno, enfrentarei o mal de cada dia.
Decido não tentar aplainar o que vem pela frente. Já busquei cinzelar a vida e me frustrei. Meus ideais viraram insultos, meus arrojos, fadigas, meus pressupostos, anátemas. Abdico de embotar as arestas que me ferem. Seguirei indefensável, buscando tão somente a verdade que me pareça verdadeira.
Decido não querer voltar ao passado que tanto amei. Vou reconhecer que a roda da vida não recua. Admitirei que, indelével, o tempo mastiga a todos. Repetirei até aprender: “Não soltar o que já se foi adoece a alma de melancolia”. Que a saudade seja uma doce recordação do que nunca há de reviver.
Decido endemoninhar a rispidez, aterrar a desconsideração, danar o escárnio. Preciso que a integridade de toda a intenção se concretize com deferência. Que a minha franqueza nunca se confunda com insolência. Que a graça se antecipe à virtude.
Decido obstinar-me na leitura. Pretendo disciplinar-me no impenitente amor à poesia. Quero enxovalhar-me com as cores, degustar as melodias, deleitar-me com os perfumes. Preciso aprender a temperar o insípido, colorir o baço, sensibilizar o entorpecido, orquestrar o desconsolado.
Decido procurar Deus no rosto sofrido da criança asiática, na mão suplicante da negra africana, no olhar amargo do ancião latino-americano. Quero descobri-lo nas iniciativas solidárias e na obstinação de defender a dignidade dos oprimidos.
Decido que o meu futuro venha sem mágica, sem inocência, sem extravagância, sem pudicícia, sem ostentação, sem pieguismo. Quero aprender a contentar-me com o simples, a gozar o instante sem culpa, a tecer emoções sem neurose.
E assim, de pouco em pouco, continuar torcendo para que o espantalho da morte se atrase para não prejudicar tantos planos.
Ricardo Gondim
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