segunda-feira, 10 de novembro de 2008

A brevidade da vida

Porque a vida é breve, acordarei cedo nas segundas-feiras, olharei na direção do sábado e tremerei feito menino na cadeira do dentista. Não, não me conformo com a ladeira que transforma o tempo em cachoeira que despenca; meu relógio pegou velocidade, não tem mais quem o freie. Meus dias desaparecem em nacos semanais; minhas semanas se diluem em meses; meus meses se esfarelam em anos; meus anos se acabam nas décadas. Quando cerrar os olhos, finalmente, só espero que os meus inimigos se comportem e, discretos, digam um simples “foi-se, então?”. Pedirei que os meus filhos estejam do meu lado no instante em que precisar subir a escada de Jacó, cujo topo toca o céu.

Porque a vida é breve, cobiçarei novamente a deliciosa professora de matemática da minha adolescência. Em vão ela tentou ensinar-me as equações do terceiro grau; meus olhos apaixonados só se concentravam na geometria do seu corpo. Vou tentar rememorar aqueles tempos em que não conhecia moralismo, nem os tabus religiosos que assassinaram as minhas paixões.

Porque a vida é breve, recuperarei o tempo em que negligenciei a leitura. Aprenderei a distinguir entre os bons e os maus escritores. De Machado de Assis, lembrar-me-ei que a hipocrisia social é avassaladora e só conseguimos ser honestos sobre a vida, com os ardis humanos, se escrevermos “memórias póstumas”; de Graciliano Ramos, lembrar-me-ei que o sofrimento do pobre diminui as pessoas em menos que uma cadela chamada Baleia; de Fernando Pessoa, lembrar-me-ei que a angústia existencial precisa ser enfrentada, mesmo que produza o desespero mais intenso.

Porque a vida é breve, desejarei correr ao lado da minha mulher, do Villy, meu genro, e dos meus amigos Ed René e Márcio. Quero chegar melado de suor muitas vezes, tomar água-de-coco, alongar os músculos doloridos e conversar sobre tudo. Desejo sentir-me campeão de maratonas, São Silvestres e de todas as corridas de rua; quando pendurar uma medalha de participação no peito, deixar que um santo orgulho enrubesça o meu rosto enrugado.

Porque a vida é breve, sonharei com os meus parentes que já morreram para amá-los, mesmo tardiamente. Guardarei a carteira de atleta do Corinthians que papai me deu como um sacramento; o poema triste que mamãe imprimiu do tamanho de um pôster continuará na parede do meu escritório e o seu sorriso melancólico há de me acompanhar até o dia em que eu também tiver que partir.

Porque a vida é breve, beberei pouco para apreciar o paladar do vinho, que tanto agradou a Jesus. Esperarei o instante em que a lua tinge o dia de prata, com seu lusco-fusco, para acalmar o furor do sol. Quero ser sempre amigo da noite para curtir o silêncio, cheirar o meu travesseiro e poder sussurrar, “sou rei deste espaço inviolável, meu quarto”.

Porque a vida é breve, buscarei ser inteiro em tudo: fiel para com o amigo, bom para com o desconhecido, terno nos tropeços alheios, indignado com a injustiça e, para sempre, reverente com os pacificadores, pois só eles são chamados filhos de Deus.

Porque a vida é breve, trarei na aljava a delicadeza das rosas, o baile dos colibris, a folia dos golfinhos, a calma do jabuti, a imponência dos carvalhos, o renascer das marés, para dizer, diante da crueldade da história, "sou feliz".


Ricardo Gondim

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