” ELA FOI RÁPIDA, LEVANTOU a mão e perguntou.
“O senhor acredita em Deus?”
A pergunta me surpreendeu porque o assunto não era a existência de Deus, mas os descaminhos da educação. Mas logo compreendi. Ela não havia ido ali para aprender sobre escolas, professores e alunos. Ela trouxera sua dor pronta e a levava por onde quer que andasse. Não era pergunta de catecismo. Era coisa que lhe doía na carne e na alma, espinho nas vísceras.
Pois não é quando a vida dói que balbuciamos o nome sagrado, pra ter esperança, pra que a vida doa menos? Quem pode dizer o nome sagrado, pra ter esperança, pra que a vida doa menos? Quem pode dizer o nome sagrado, acreditando, dorme sem sobressaltos.
Riobaldo sabia e dizia: “Como não ter Deus? Com Deus existindo, tudo dá esperança, o mundo se resolve. Mas, se não tem Deus, há-de a gente perdidos no vai-vem, e a vida é burra. É o aberto perigo das grandes e pequenas horas… Tendo Deus, é menos grave se descuidar um pouquinho, pois, no fim, dá certo. Mas, se não tem Deus, então, a gente não tem licença para coisa nenhuma”.
Lembrei-me de R.S. Thomas, pastor e poeta numa pobre e rude comunidade rural da Irlanda. Pastor, devia saber. Porque não é pra isso que os fiéis vão à igreja, pra ouvirem do padre ou pastor que Ele existe? Mas ele de Deus só ouvia o silêncio: “Nenhuma palavra veio ao homem ajoelhado. Ele só ouviu a canção do vento. Ou o barulho seco de asas que não via, não eram anjos, eram morcegos no alto do forro da igreja. Ele não virá mais…” Nesse “Ele não virá mais…” estava toda a sua dor.
Agora, quando sinto a fisgada, busco o socorro dos poetas. Se eu tivesse me lembrado, minha resposta teria sido outra. Eu teria repetido as palavras do Chico: “Oh, metade arrancada de mim… Leva o vulto teu / Que a saudade é o revés de um parto, a saudade é arrumar o quarto / Do filho que já morreu…”
Saudade é um vazio que dói, presença da uma ausência, lugar onde o amor se aninhou, mas agora o ninho está vazio…
Qual é a mãe que mais ama? A que arruma o quarto para o filho que vai chegar ou a que arruma para o filho que nunca vai chegar?
Ela me perguntava se eu “acreditava”. Mas eu, como R.S.Thomas e o Chico, de Deus só tenho a nostalgia e a saudade.
Se eu tivesse me lembrado, eu simplesmente teria dito:
“Não, eu não acredito em Deus. Concordo com o poeta: Alberto Caeiro diz que não acredita em Deus porque nunca o viu. Se ele quisesse que eu acreditasse nele, sem dúvida que viria falar comigo, e entraria pela minha porta a dentro dizendo-me: “Aqui estou”. Pensar em Deus é desobedecer a Deus, porque Deus quis que não o conhecêssemos. Por isso se nos não mostrou.”
Não, não acredito em Deus. O que eu tenho é aquela dor chamada saudade… A Adélia sabia e sofria: “Eh saudade! De quê, meu Deus? Não sei mais…”
Deus é essa fisgada sem nome que sinto no coração. Ela tem hora certa para aparecer: no crepúsculo. Verso de Browning: “A gente vai andando solidamente pela rua e, de repente, um pôr-de-sol… E estamos perdidos de novo”.
“Por causa dessa dor sem nome eu acendo meus altares com poesia e música para colocar beleza no abismo escuro…”
Não, não acredito em Deus. Mas sinto a fisgada…
Rubem Alves
fonte: Folha de S.Paulo
“O senhor acredita em Deus?”
A pergunta me surpreendeu porque o assunto não era a existência de Deus, mas os descaminhos da educação. Mas logo compreendi. Ela não havia ido ali para aprender sobre escolas, professores e alunos. Ela trouxera sua dor pronta e a levava por onde quer que andasse. Não era pergunta de catecismo. Era coisa que lhe doía na carne e na alma, espinho nas vísceras.
Pois não é quando a vida dói que balbuciamos o nome sagrado, pra ter esperança, pra que a vida doa menos? Quem pode dizer o nome sagrado, pra ter esperança, pra que a vida doa menos? Quem pode dizer o nome sagrado, acreditando, dorme sem sobressaltos.
Riobaldo sabia e dizia: “Como não ter Deus? Com Deus existindo, tudo dá esperança, o mundo se resolve. Mas, se não tem Deus, há-de a gente perdidos no vai-vem, e a vida é burra. É o aberto perigo das grandes e pequenas horas… Tendo Deus, é menos grave se descuidar um pouquinho, pois, no fim, dá certo. Mas, se não tem Deus, então, a gente não tem licença para coisa nenhuma”.
Lembrei-me de R.S. Thomas, pastor e poeta numa pobre e rude comunidade rural da Irlanda. Pastor, devia saber. Porque não é pra isso que os fiéis vão à igreja, pra ouvirem do padre ou pastor que Ele existe? Mas ele de Deus só ouvia o silêncio: “Nenhuma palavra veio ao homem ajoelhado. Ele só ouviu a canção do vento. Ou o barulho seco de asas que não via, não eram anjos, eram morcegos no alto do forro da igreja. Ele não virá mais…” Nesse “Ele não virá mais…” estava toda a sua dor.
Agora, quando sinto a fisgada, busco o socorro dos poetas. Se eu tivesse me lembrado, minha resposta teria sido outra. Eu teria repetido as palavras do Chico: “Oh, metade arrancada de mim… Leva o vulto teu / Que a saudade é o revés de um parto, a saudade é arrumar o quarto / Do filho que já morreu…”
Saudade é um vazio que dói, presença da uma ausência, lugar onde o amor se aninhou, mas agora o ninho está vazio…
Qual é a mãe que mais ama? A que arruma o quarto para o filho que vai chegar ou a que arruma para o filho que nunca vai chegar?
Ela me perguntava se eu “acreditava”. Mas eu, como R.S.Thomas e o Chico, de Deus só tenho a nostalgia e a saudade.
Se eu tivesse me lembrado, eu simplesmente teria dito:
“Não, eu não acredito em Deus. Concordo com o poeta: Alberto Caeiro diz que não acredita em Deus porque nunca o viu. Se ele quisesse que eu acreditasse nele, sem dúvida que viria falar comigo, e entraria pela minha porta a dentro dizendo-me: “Aqui estou”. Pensar em Deus é desobedecer a Deus, porque Deus quis que não o conhecêssemos. Por isso se nos não mostrou.”
Não, não acredito em Deus. O que eu tenho é aquela dor chamada saudade… A Adélia sabia e sofria: “Eh saudade! De quê, meu Deus? Não sei mais…”
Deus é essa fisgada sem nome que sinto no coração. Ela tem hora certa para aparecer: no crepúsculo. Verso de Browning: “A gente vai andando solidamente pela rua e, de repente, um pôr-de-sol… E estamos perdidos de novo”.
“Por causa dessa dor sem nome eu acendo meus altares com poesia e música para colocar beleza no abismo escuro…”
Não, não acredito em Deus. Mas sinto a fisgada…
Rubem Alves
fonte: Folha de S.Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário