segunda-feira, 25 de maio de 2009

Tudo é dom de Deus

Contudo, graças sejam dadas a ti, Senhor, Criador e ordenador do universo, ainda que me houvesses destinado a ser apenas criança. Pois já então eu existia, vivia, usava dos sentidos, cuidava da minha conservação, imagem da tua unidade misteriosa, fonte do meu ser; já então vigiava com o sentido interior, para a preservação de todos os meus sentidos, e, até nas reflexões modestas sobre pequenas coisas, eu me alegrava ao encontrar a verdade. Eu não aceitava ser enganado, tinha boa memória, tinha facilidade para falar, era sensível a amizade; fugia da dor, da humilhação, da ignorância. Que havia em tal criatura que não fosse digno de admiração e louvor? Mas tudo isso são dons do meu Deus. Não os recebi de mim mesmo; são coisas boas, e conjunto deles constitui meu eu.

Portanto, bom é aquele que me criou. Ele é o meu bem, e eu exulto em sua honra por todos os bens que constituem a minha experiência desde minha infância. Meu pecado era não procurar nele, e sim nas suas criaturas; isto é, em mim mesmo e nos outros; os prazeres, as honras e a verdade. Eu me precipitava assim na dor, na confusão e no erro. Graças a ti, ó minha doçura, minha glória, minha confiança, meu Deus, pelos dons que me deste. Conserva-os, pois. E assim me conservarás. Então crescerá e aperfeiçoara tudo que me deste. E eu mesmo viverei contigo, porque foste tu que me deste a possibilidade de existir.


Santo Agostinho
Trecho do Livro I das Confições, editora Paulos

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