sábado, 31 de dezembro de 2011

Natal Encarnado

Gosto também de entender que o famoso versículo joanino “e o verbo se fez carne” também pode significar “e os pensamentos de Deus se tornaram agora conhecidos por nós”.

No livro X das Confissões, Agostinho fala de dois tipos de verbo. Um ele chama de verbo interior (ou verbo mental); o outro ele chama de verbo exterior (ou verbo carnal). Com essa distinção, o Bispo de Hipona ensina que nós, seres humanos, obedecemos a uma dinâmica de linguagem, cujas palavras proferidas (verbo exterior ou carnal) são necessárias para compreendermos os pensamentos de nossos semelhantes (verbo interior ou mental).

Deus nos trancou em nós mesmos. Isso significa que tudo o que pensamos e não expressamos jamais pode ser conhecido por outro ser humano também trancado em si mesmo. Ou seja, “pensamentos” para serem conhecidos precisam ser expressos ou — para usar um termo bastante teológico — “pensamentos” precisam ser “encarnados” para serem compreendidos. Uma vez que estamos trancados em nós mesmos não podemos nos dar ao luxo de apenas pensar. É preciso também falar, expressar, jogar para fora o que está dentro, jogar para fora o que se pensa. Caso contrário, o nosso semelhante não saberá o que estamos pensando.

Mas veja que coisa interessante: o que se joga para fora não é o “puro pensamento”, mas o “pensamento encarnado”. Apenas o pensamento encarnado pode ser conhecido pelo semelhante. Já o puro pensamento só pode ser conhecido por uma pessoa. Em outras palavras, só Deus pode conhecer nossos pensamentos enquanto pensamentos. E isso tem muitas implicações, como, por exemplo, o fato de não ser necessário encarnar nosso pensamento para torná-lo conhecível para Deus. Ora, Deus já conhece o que pensamos mesmo quando o que pensamos não chegou ainda a nossa boca (Sl 139.4). Portanto, não precisamos encarnar nossos pensamentos para Deus saber o que pensamos.

Assim, se encarnamos nossos pensamentos para falar com Deus — e o nome disso é “oração” —, não é para que Deus conheça nossos pensamentos, mas para que nós mesmos conheçamos nossos próprios pensamentos. Enfim, para que sejamos confrontados pelo coração. Com outras palavras, estou dizendo que o fato de sabermos que Deus não precisa da encarnação do verbo para ter ciência do que pensamos deve ser suficiente para nos constranger diante da verdade, deve ser suficiente para fazer com que oremos buscando expressar o que de fato o coração está dizendo. Saber que Deus conhece o coração é o passo mais importante para descobrir que o coração é mais enganoso do que qualquer coisa deste mundo (Jr 17.9). A prova de fogo do coração é a oração.

Bom, tudo isso revela a nossa insuperável inferioridade em relação a Deus. Ele conhece nossos pensamentos muito antes de encarnarmos nossos pensamentos. Em contrapartida, só conhecemos os pensamentos de Deus se ele encarnar seus pensamentos. Acontece que Deus encarnou seus pensamentos, mas de uma maneira muito diferente da nossa. Veja, nosso ser é uma coisa (homem) e o nosso pensamento encarnado é outra bem diferente (verbo, palavra). Em contraste, o verbo, a palavra, o pensamento de Deus é o próprio Deus (Jo 1.1). Isso não é pouca coisa! Isso significa que aquilo que Deus tornou conhecido através da encarnação não foi apenas um pensamento ou um verbo, mas o próprio Deus. E este é o mistério que repousa sobre o menino Jesus, que hoje deve ser celebrado não como um mero pensamento ou uma mera mensagem de paz dada por Deus aos homens, mas, pelo contrário, o menino Jesus deve ser celebrado como Deus dado aos homens (Mt 1.23). Ou seja, o menino Jesus não deve ser apenas lembrado, mas adorado hoje e sempre. Eis o motivo pelo qual gosto de entender que o famoso versículo joanino “e o verbo se fez carne” também pode significar “e os pensamentos de Deus se tornaram agora conhecidos por nós”.


Feliz Natal!
Jonas Madureira

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