Dawkins é reconhecido em sua área de formação por conta de seus trabalhos sobre evolucionismo e genética, mas tem ganhado notoriedade tambem por suas reflexões que culminaram na escrita do polêmico Deus, um delírio (2006), uma entre tantas obras que compõem a recente onda de trabalhos desenvolvidos em defesa do ateísmo por intelectuais como Sam Harris e Christopher Hitchens; McGrath é um eminente teórico anglicano, com trabalhos a respeito da relação entre as ciências naturais e a fé cristã, e um dos teólogos mais lidos do mundo atual. Entre suas obras, há dois títulos voltados diretamente ao debate promovido pelo biólogo: O delírio de Dawkins (2007) e O Deus de Dawkins: genes, memes e o significado da vida (2008).
O diálogo promovido no vídeo não se trata, aparentemente, de uma tentativa de estabelecer diálogos e conexões entre a fé e os postulados científicos, mas sim de esclarecer e confrontar posicionamentos a respeito de categorias polêmicas. Trata-se de uma entrevista, produzida por iniciativa do próprio Dawkins, prontamente aceita por McGrath. Mais do que perguntas, McGrath está ali para oferecer respostas, imediatamente confrontadas por Dawkins. E neste diálogo pude perceber que, diferente do que Dawkins alega ter ouvido de outros religiosos com posições mais acirradas e fundamentalistas, McGrath articula de maneira muito interessante e sensata as aparentes divergências a respeito da forma e do desenvolvimento da natureza. Mas tambem, e acredito que seja o grande ganho deste debate, demonstra que a grande chave da cosmovisão cristã não é a forma do mundo natural, ou o significado de todos os episódios históricos, mas sim a ótica que o cristianismo concede para se olhar o mundo e, através desta ótica, agir na história, tendo como eixo a figura de Cristo: morto, crucificado e ressurreto, em uma demonstração de sacrifício realizada em favor e por amor aos homens. Talvez seja esta a figura que mais confunda os profundos críticos da religião, uma vez que parece inconcebível a imagem de um Deus que se encarna em um Filho, e é entregue por homens aos calvário por amor à própria humanidade. E é claríssimo como Dawkins demonstra, durante esta entrevista, que tal idéia seja profundamente absurda, mas através de argumentos tão esvaziados quanto as alegações dos mais agressivos religiosos fundamentalistas.
Mas gostaria de apontar um momento em específico desta entrevista que me deixou um tanto consternado.
É impossível não registrar que fiquei impressionado com a argumentação de Dawkins. Porque a crítica cética ao pensamento religioso é profundamente marcada pelos fatos históricos, e a recente onda neoateísta só foi possível devido à força que o fundamentalismo religioso tem exercido no cenário político internacional, bem como nos debates a respeito dos direitos civis. Isto é claramente observável. Porém, valho-me da surpresa ao perceber em um profundo crítico da religião uma perspectiva tão aguerrida de defesa do ateísmo como uma ideologia imaculada. E é provavelmente neste ponto que se encontram algumas das principais fraquezas dos argumentos de intelectuais como Dawkins e outros que constroem esta militância em prol do ateísmo. Como argumentar a fé como um elemento de necessária superação, se a própria defesa desta superação necessita de uma negação simplista dos exemplos históricos que a contrariam? Como requerer crédito à defesa de uma postura anti-religiosa, se esta mesma postura necessita de um dogma, uma fé, na qual se basear?
Acredito que as teses desenvolvidas por estes intelectuais pecam justamente naquilo que mais rechaçam. Invocam um extremismo tão semelhante ao dos fundamentalistas religiosos para requerer a eliminação total da religiosidade como o verdadeiro caminho à paz humana. Não consigo definir esta crença na plena bondade humana e na plenitude de paz promovida pela razão senão como uma profunda fé atéia. E tal como outras tantas perspectivas dogmáticas (religiosas ou não), demonstra-se infrutífera diante de qualquer possibilidade de conceber parâmetros políticos e culturais verdadeiramente democráticos.
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Sydnei Melo
ainda não li Deus, um delírio...mas sempre que tenho contato com algum material do Dawkins, me espanto com a fragilidade dos argumentos dele...
ResponderExcluirÓtimo texto, Sydnei!!