domingo, 31 de julho de 2011

A morte

Sexta-feira última estive em mais um velório. Já fui em muitos. Não é um lugar que se escolhe para ir mas que, sempre que necessário, vamos. Dessa vez foi diferente. Senti-me acuado pela morte, vulnerável a ela. O senhor que faleceu tinha três filhos. Os dois mais velhos não tinham um bom relacionamento com ele por conta de demandas do passado. Choravam compulsivamente, abraçados, buscando um consolo mútuo mas tardio, tentando de alguma forma demonstrar algum arrependimento, alguma tentativa de perdão, de reconciliação. Já não havia mais tempo para isso. Pensei em como o homem é egoísta e belicoso, em como nos importamos com coisas sem importância e deixamos passar despercebidamente o que vale a eternidade: o abraço, o contato, o carinho, as palavras doces, os cheiros, os gostos. Não quero dizer “eu te amo” quando o outro não puder mais escutar, não quero fazer carinho nas mãos do que já não pode mais sentir, nem ter que pedir perdão ao que já não o pode mais me oferecer.

No banco logo à frente de onde eu estava, tinha uma menininha com um rostinho muito parecido com o da minha Sophia. Cruzamos os olhos três ou quatro vezes. Sorrimos um para o outro. Aquele momento não a afetou em nada. O brilho nos olhos era o mesmo tal qual a alegria da infância. Pensei em minha filha, pensei na possibilidade de perdê-la. Não consegui ficar de pé. Minha perna estremeceu de forma incontrolável. Pensei em pais que perderam filhos. Que dor. Não estou preparado pra isso. Ninguém está. Clamo por consolo ao coração do pai que já não tem por perto o seu filho, que já não vê o sorriso e nem ouve o barulho dos seus. Clamo ao Pai que não me deixe passar por isso.

Refleti sobre minha vocação pastoral, se tenho estrutura não só para passar por essa situação, como também para oferecer consolo e apoio ao enlutado. A resposta não foi imediata. Sentir a dor do outro é um chamado, uma verdadeira vocação. É a expressão mais profunda da encarnação do próprio Cristo. É o colocar-se no lugar de tal forma a sentir a dor do outro como sendo sua e são poucas as pessoas que estão dispostas a isso. Aceito ser um deles.

Sou grato a Cristo, de todo o coração, por ter se colocado em meu lugar, sofrido meu sofrimento, morrido a minha morte. Quero chorar a dor do outro, senti-la como se fosse minha, como se doesse em mim. Quero pensar na ressurreição, no dia em que os mortos “acordarão” e me reencontrarei com minha avó Alice, a vó Marina, com o tio Davi, com o seu Salvador, o Danielzinho, com meu filho que não chegou a nascer. Quero aprender a conviver com a realidade patente da morte, que impiedosamente ceifa pessoas amadas e especiais e as transporta para a misteriosa realidade do porvir sem nenhum aviso prévio.

Mas ainda não gosto do seu cheiro, do seu gosto. Posso ver beleza após a morte, mas nela não vejo nenhuma cor.


Fabricio Cunha

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Uma dica de filme

Hoje na sessão da tarde passou o filme Mudança de Habito 2, e pessoalmente gosto demais tanto do primeiro filme quanto do segundo, e ainda mais, acho q eh uma boa para muitos lideres eclesiásticos aprenderem um pouco de como se faz um ministério voltado para a missão e serviço.



A Deus Somente A Glória,
Ricardo A. da Silva

Sua igreja está morrendo

Pecados mortais estão em ação.

Se você teme que sua igreja esteja morrendo, pare de procurar culpados e comece a assumir a responsabilidade.

Primeiro, as boas notícias. A Igreja é o Corpo de Cristo. Ela não pode morrer. Sua cabeça é o Cristo ressurreto, o Rei de tudo que há e que há de vir. Ele leva seu povo, de um a um, para a glória eterna ao morrerem, para de lá esperar [aqui as palavras falham: como você espera por algo quando o tempo já não existe?] pelo dia do Senhor, “quando o céu e a terra serão um”.

Segundo, não são nem boas nem más notícias que sua igreja local possa morrer, porque isto não é nenhuma novidade. Sua igreja é uma comunidade de mortais; se eles morrerem e não forem substituídos, a igreja estará morta naquele local. O meio oeste rural norte-americano está marcado de cemitérios com nomes de igrejas locais que já não mais existem.

Algumas destas igrejas não morreram, na verdade. As pessoas vivas mudaram, mas sensivelmente deixaram o cemitério para trás. Isso pode ser triste, mas é uma parte da ordem natural da terra e geralmente fica tudo bem – se as pessoas foram cristãs em suas atitudes e comportamento durante a crise.

Agora vem as más notícias e elas são muito más. Uma igreja local pode morrer pela ação do inimigo – algumas vezes de fora, mas eu percebo por longa experiência que geralmente é de dentro.

Durante o processo de morte, muitos dos membros da igreja se tornam experts em nomear e culpar os inimigos de dentro e de fora da igreja. Eles geralmente ficam chocados e feridos ao descobrirem que fazem parte da lista de inimigos que outras pessoas estão fazendo, quando estão apenas pensando no bem da igreja!

Naturalmente, é inerente à expertise que os experts não concordem uns com os outros. Tem sempre um outro modo de ver as coisas. Neste aspecto, uma igreja que está morrendo se assemelha a um tribunal criminal no qual tanto a promotoria quanto a defesa apresentam depoimentos arranjados de “especialistas” para sustentarem o argumento. Em vez de lutar contra a enfermidade terminal que é o inimigo comum da igreja, terminamos lutando uns contra os outros.

Mesmo pessoas boas preferem apontar culpados do que assumir responsabilidades; eu conheço minhas próprias tentações a este respeito. Somos piedosos, auto-confiantes e seguros o bastante para lançar nosso peso ao redor em defesa da tradição da verdade. Temos boas intenções. Em meu próprio caso, levei a sério as palavras de minha filha quando ela observou, no meio de uma disputa de igreja: “Estou cansada de pessoas com boas intenções!” Fazer o certo sempre triunfa sobre as boas intenções.

Alguns descrentes com discernimento conseguem enxergar nossas reais motivações. Os chefes dos sacerdotes dos judeus eram alguns dos melhores homens no mundo de seus dias e Pôncio Pilatos era um dos piores; mas quando os chefes dos sacerdotes trouxeram Jesus a Pilatos, esperando uma sentença de morte, Pilatos viu que estes bons homens não tinham razão. “Vocês querem que eu lhes solte o rei dos judeus? “, perguntou Pilatos, sabendo que fora por inveja que os chefes dos sacerdotes lhe haviam entregado Jesus.” (Marcos 15.9-10 ênfase minha)

Inveja matou Jesus? Soa trivial, mas por que não? É um dos sete pecados mortais. Todos eles são assassinos se persistirem sem que haja arrependimento; este é o significado de mortal. Os pecados mortais matam. Cristãos e igrejas são espectadores ameaçados. Você não precisa procurar por razões sociológicas ou psicológicas quando um ou mais dos pecados mortais estiverem ativos em seu meio. Você não pode confessar os pecados de outras pessoas (que é o que acontece quando se tenta apontar e culpar), mas você deve confessar seus próprios se a igreja irá recuperar de seu estado terminal.

Aqui estão os sete, caso você necessite ser lembrado.

  • Orgulho, quando se age em auto-justificação e determinação de fazer prevalecer seu próprio modo porque é o seu modo.
  • Inveja, quando você está insatisfeito com seu lugar na igreja e age a partir de sua insatisfação para subverter aqueles que estão no lugar que você deseja estar.
  • Glutonaria, quando você é consumido pelo seu consumo e fica sem tempo, energia ou vontade para mais nada.
  • Cobiça, quando seu desejo físico por outro é sem amor e egoísta.
  • Ira, quando direcionada para ferir e destruir a você mesmo ou outros.
  • Avareza, quando seu único alvo é mais para você mesmo.
  • Preguiça, quando não se está nem aí.

Pogo já foi citado inúmeras vezes: “Nós encontramos o inimigo, e ele somos nós.” Se sua igreja estiver morrendo, talvez seja sua vez de citá-lo.


Por Everett Wilson em Everett’s Version, 26 de Janeiro de 2011.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Um olhar para sociedade

Somos seres sociais, gregários, a vida em sociedade é uma imposição da própria natureza humana. Mas qual é o olhar da igreja e dos cristãos para a sociedade? Para responder a essas perguntas, precisaríamos saber de que “igreja” e de que “cristão” estamos falando, tendo em vista as enormes e irreconciliáveis diferenças entre os muitos grupos que se identificam como igreja e como cristãos.

Tenho a impressão que por muito tempo o olhar de setores da igreja evangélica para a sociedade tem sido como o de alguém que olha de fora, como se separado fosse. Seria um grupo dissociado, não conectado com o todo, que olha para o resto do mundo, mas não se identifica como parte dele.

E o que ela vê? Multidões a serem convertidas ao seu grupo. Ou para serem conquistadas, para usar um termo muito apreciado nesse meio. Almas que precisam ser arrancadas do inferno para povoar o céu. Miseráveis perdidos condenados ao fogo do inferno, esperando o momento de “ouvirem” a boa nova. Caso adiram a essa boa nova serão livres de todo o mal e terão a terra prometida (no futuro – depois da morte), caso a rejeitem, continuarão condenados ao inferno, mas o grupo que proclamou a “verdade” já não tem mais nenhuma responsabilidade ou culpa nisso, pois já cumpriu o seu papel.

Então é isso? É esse o olhar que a igreja e os cristãos devem ter para a sociedade? Entendo que não. Precisamos de um outro olhar.

Esse olhar não pode ser como de alguém que se julga superior. Quem se julga salvo e vê os demais apenas como pecadores destinados à danação corre o risco de enxergar dessa forma.

Também não pode ser indiferente, como o de quem não tem nenhuma responsabilidade para com a dor do outro. O sujeito não se sente causador do sofrimento alheio, logo não tem porque se importar e não precisa fazer nada para mudar a situação. Peca-se pela omissão.

Não pode ser um olhar simplista, porque a sociedade é complexa, diversa. Olhar a todos como uma massa homogênia é desconsiderar as múltiplas características que uma sociedade como a nossa tem e não reconhecer as enormes disparidades e as muitas injustiças sociais existentes.

Não pode ser um olhar como de quem deseja instrumentalizar o povo. Fazer proselitismo com o propósito de afirmar poder institucional, ou ação social com a mal disfarçada intenção de “forçar” a conversão dos beneficiados, são apenas algumas das formas de instrumentalização das pessoas. Quem age assim tem uma ação interesseira que não reflete o amor e graça que devem estar presentes nesse tipo de trabalho.

Também não se pode olhar para a sociedade e “espiritualizar” as mazelas sociais. Por mais absurdo que pareça, isso ainda é muito comum. Por esse raciocínio, a pobreza da África seria culpa dos cultos africanos (e não da espoliação dos colonizadores europeus ou da corrupção imperante). A pobreza de muitas famílias do nordeste seria culpa da idolatria (e não dos coronéis da política que se perpetuam no poder, mas não mudam a situação do povo).

Esse tipo de espiritualização da realidade gera indiferença e cinismo, pois isenta o sujeito de qualquer responsabilidade, já que a causa está numa esfera sobrenatural. Quem assim pensa entende que não há o que fazer, a não ser orar para repreender o “espírito da pobreza”, o “demônio da fome e da corrupção”, etc.

Não, definitivamente não pode ser esse o olhar da igreja para sociedade.

(continua…)


Márcio Rosa da Silva

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Um pouco de Paulo Freire

"Aos esfarrapados do mundo
e aos que neles se
descobrem e, assim
descobrindo-se, com eles
sofrem, mas, sobretudo,
com eles lutam"


Paulo Freire

Missionário Urbano Relevante

Uma boa do Ricardo Agreste.

Ricardo Agreste - Missionário Urbano Relevante from Ariovaldo Ramos on Vimeo.


Abraços,
Ricardo A. da Silva

Amizade

Tenho amigos que não sabem o quanto são meus amigos.

Não percebem o amor que lhes devoto e a absoluta necessidade que tenho deles.

A amizade é um sentimento mais nobre do que o amor.

Eis que permite que o objeto dela se divida em outros afetos, enquanto o amor tem intrínseco o ciúme, que não admite a rivalidade.

E eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos!

Até mesmo aqueles que não percebem o quanto são meus amigos e o quanto minha vida depende de suas existências.

A alguns deles não procuro, basta-me saber que eles existem. Esta mera condição me encoraja a seguir em frente pela vida. É delicioso que eu saiba e sinta que os adoro, embora não declare e não os procure.

E às vezes, quando os procuro, noto que eles não têm noção de como me são necessários, de como são indispensáveis ao meu equilíbrio vital, porque eles fazem parte do mundo que eu, tremulamente, construí.

E me envergonho, porque essa minha prece é em síntese, dirigida ao meu bem estar.

Ela é, talvez, fruto do meu egoísmo.

Por vezes, mergulho em pensamentos sobre alguns deles.

Quando viajo e fico diante de lugares maravilhosos, cai-me alguma lágrima por não estarem junto de mim, compartilhando daquele prazer.

Se alguma coisa me consome e me envelhece é que a roda furiosa da vida não me permite ter sempre ao meu lado, morando comigo, andando comigo, falando comigo, vivendo comigo, todos os meus amigos, e, principalmente os que não desconfiam ou talvez nunca vão saber que são meus amigos!

A gente não faz amigos, reconhece-os.


Vinícius de Morais

sábado, 23 de julho de 2011

O verdadeiro encontro

Ninguém é alguém, sozinho.

Se a essência de Deus é o amor, sua natureza é a comunidade. Sendo um Deus único, coexiste de forma perfeitamente harmônica sendo três pessoas, deu-se o primeiro ENCONTRO.

Percebendo a beleza dessa coexistência perfeita, Deus quis multiplicá-la, estendendo a nós a possibilidade de partilharmos consigo dessa relação, deu-se o ENCONTRO mais importante da vida de qualquer pessoa.

Esse ENCONTRO com Deus, nos faz um outro tipo de gente. Gente que enxerga com outros olhos, decide em outras categorias e relaciona-se com profundidade e pessoalidade.

Quem encontra-se com Deus nunca permanece a mesma pessoa. É a partir desse encontro, dessa nova vida e dessa outra consciência que vamos nos encontrando com outras pessoas, nos tornando parte delas e fazendo-as parte de nós, sendo sempre misturados uns aos outros pelo Espírito Santo, e vamos nos tornando mais gente.

Encontrar-se é preciso!!!

Encontrar-se é misturar-se ao outro, tornando o outro um “outro melhor”.

Encontrar-se é incluir o outro em nós, tornando-nos “ uma pessoa melhor”.

Quem se encontra de verdade, tendo como ato fundante o encontro com o Senhor, não encontra-se COM, encontra-se EM, afinal, nesses encontros, vamos nos tornando parte do outro e o outro parte da gente.

EmComOutro, deu-se o verdadeiro ENCONTRO!!!


Fabricio Cunha

quinta-feira, 21 de julho de 2011

O direito de esquecer

Você já passou pela situação de colocar a mão na cabeça e lembrar de um compromisso que era para você ter ido, mas esqueceu completamente?

Já sabemos como é ruim esquecer das coisas importantes, mas algo que não sabemos é que é desastroso não esquecermos das coisas. Vou explicar.

Estamos vivendo em uma era que a tecnologia tem ganhado cada vez mais importância em nossas vidas, passamos quase o dia todo com ela na frente do computador e nossos smartphones que contem relógio, agenda, e-mails, torpedos, post it, e uma infinidade de outras coisas.

Estes dias baixei um aplicativo no meu telefone que me avisa cada vez que o meu time entra em campo e faz gol.

No começo achei que era um bom aplicativo, mas percebi ao longo do tempo o quanto eu esquecia que tinha jogo e não fazia falta para mim. Fui vendo que cada torpedo de gol do meu time ia me tirando da vida que estava vivendo naquele presente e fazia eu querer para tudo e ir para a frente de uma TV.

Percebi que esquecer algumas coisas é algo fundamental para uma mente e vida saudáveis. Esquecer é um direito!

Mas cada vez mais somos privados deste direito, os telefones e computadores on-line o tempo todo nos dominam e nos tiram o direito de esquecer, de ter uma mente e vida saudáveis.

Nos avisam dos assuntos mais comentados no dia, do texto que aquele autor postou em seu blog, e-mail do seu trabalho que chegou as 22h e que antes você tinha a desculpa de falar que não viu, a temperatura de amanhã, a promoção daquele restaurante, e da reunião que você não quer ir e que sua mente esqueceu por querer. Afinal de contas, Freud explica!

O que faz de um momento inesquecível na nossa mente, são todos os outros que esquecemos. Se estamos parando de esquecer aquilo que nossa mente descartou naturalmente, enfraquecemos o que ela coloca em destaque.

Lembrar nem sempre é uma virtude e esquecer nem sempre é uma fraqueza.

Hoje em dia, um sentimento de culpa assola as pessoas, por não esquecermos de nada, ou melhor, não deixarem a gente esquecer de nada. Temos um sentimento de estar devendo algo a alguém o tempo todo, de estar atrasado para algum encontro nesse exato momento, de estar ficando para trás academicamente em cada livro ou texto que foi lançado hoje, agora. O simples fato de dormir me faz sentir culpado!

O direito de esquecer é tão sagrado como o direito de lembrar. Vamos nos dar o direito de esquecer sem peso na consciência, para podemos lembrar das coisas que importam e assim viver em paz.


Marcos Botelho

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Uma boa musica caipira

Essa eh das boas.



A Deus Somente A Glória,
Ricardo A. da Silva

A força que me assalta

Acredito que o amanhã continuará com semelhante tempestade.

No vai e vem da vida tudo continuará se esvaindo em vaidade.

A lágrima continuará a escorrer na valeta do desdém.

O uivo dolorido da criança que se desmancha em diarreia,

continuará abafado no imenso sono da noite sem folia.

A muralha que isola o esfarrapado continuará sólida.

A estrela do general, lustrosa, brilhará em cada estreia.

O fadista continuará ébrio, preso à força do além.

Insisto em não desistir da sorte, fonte de agonia.

Não sei explicar a força que me assalta.

Sem noção, retomo à minha sina,

minha vocação, mesmo por padecer falta

volto ao vício, sandice de minha alma menina.

Ressinto aceitar o preço de ser parceiro

do padecer e nem sei se resisto ao aceno celeste.

Se desisto do sucesso, da sagração que a tantos fascina

confesso, sofro ao morrer para a ambição corriqueira.

Abandono a conquista do sonho já vencido.

Assim, sigo em assumir, assimilar, encarnar

a singela façanha de perseverar na Esperança.


Ricardo Gondim

domingo, 17 de julho de 2011

Inspirados

Aqui vai mais um.



A Deus Somente A Glória,
Ricardo A. da Silva

Criança

Ainda estou tentando criar a disciplina de assistir um Talmidim por dia, mas a correria dificulta essa tarefa, mas todos que vejo são muito bons, e aqui vai deles.



A Deus Somente A Glória,
Ricardo A. da Silva

sexta-feira, 15 de julho de 2011

O Deus que não tem ninguém na sua lista

Nesse momento entra em cena esse sujeito J. Harold Ellens, um psicólogo norte-americano que em seus livros e artigos defende essencialmente uma ideia: a de que a notícia evangelical da graça incondicional e do perdão universal dos pecados não representa apenas a única chance para a salvação espiritual da humanidade, mas a única chance para a salvação dos nossos distúrbios mentais. E que, de fato, não existe diferença entre uma coisa e outra.

Desde que a psicologia ganhou alguma reputação como disciplina e como prática seus méritos, seu vocabulário e suas ênfases tem sido apropriados (ou, alternativamente, questionados) por muitos cristãos a fim de legitimar suas próprias versões da ortodoxia. Ellens, no entanto, está a milhas de distância da banalidade de obras como Jesus, o maior psicólogo que já existiu; do ponto de vista privilegiado ao qual nos erguem as suas reflexões descortina-se um horizonte desconcertante.

Ellens talvez seja o mais articulado proponente de um movimento de interpretação que até onde sei ainda não tem nome, mas que podemos chamar interinamente de teologia da graça radical (a partir de um dos mais celebrados volumes de Ellens, Radical Grace).

Não há na verdade grande coerência de pensamento entre os proponentes dessa visão, e nem poderia haver. O que pode ser dito a respeito desses caras (e já fui visto bebendo e comendo entre eles) é que intuem antes de tudo que Deus é um sujeito muito mais gentil e desencanado do que sugerem as ortodoxias usuais. Deus não está muito interessado em saber se você fica admirando as pernas de gente do sexo errado e não controla onde você passa suas manhãs e noites de domingo; Deus não vai ficar ruborizado se você engravidar a sua noiva e não vai mandar ninguém para o inferno por acreditar na evolução, por fumar um baseado ou por beijar uma estátua. Esse Deus não tem o rabo preso com ninguém, não aceita subornos e a ninguém rejeita; não tem ilusões, por isso não se rebaixa a aplicar critérios. A característica mais predominante do seu caráter – na verdade a única característica dele a que temos acesso e a única necessária – é seu inflexível cavalheirismo. O que ele quer é que você não machuque ninguém e não se machuque; se for para você se machucar que seja em favor dos outros, mas de modo inteiramente consciente, informado e sem ilusões.

É um Deus que tem muito de hippie; suas únicas diretrizes de conduta são de fato paz e amor: ou, como se diz na linguagem do Novo Testamento, amar a Deus sobre todas as coisas e o próximo como a si mesmo (que são, evidentemente, operações idênticas e equivalentes).

Porém esse é um Deus não se ilude, e sabe que o amor precisa de uma medida, uma diretriz que o extraia do domínio dos discursos para o terreno da prática. Esse parâmetro de grandeza para o amor é a graça, a implacável inclinação divina em aceitar. E essa medida de grandeza ficou estabelecida em sua inteireza na pessoa de Jesus.

O que J. Harold Ellens vem fazendo é articular com todas as letras o que já havia sido sugerido, por exemplo, por Paul Tournier em Culpa e graça. Para Ellens, a graça – entendida como a inclinação inflexível e radical, por parte de Deus, em aceitar o ser humano como ele é – não é apenas um aspecto da salvação ou um a porta de entrada para ela. A graça é a própria salvação.

Em resumo, para Ellens a graça ou é radical (isto é, absolutamente resoluta e invariável) ou é na verdade graça nenhuma. Ela só tem poder curativo se for de fato radical, incondicional e universal: privar a graça de seu caráter incondicional seria privá-la de todo seu poder. Dito de outra forma, a graça só é realmente capaz de curar se não fizer diferença para Deus se você vai ser curado ou não. Essa fragilidade é o único mecanismo da coisa toda, e dela depende toda a sua eficácia.

O toque de uma graça radical – aquilo que Ellens chama de “uma perspectiva graciosa e incondicional de apreço positivo” – é a única solução concebível para nossos entraves, traumas, neuroses e inadequações. Essa graça implacável é o único bálsamo com o potencial de nos aplacar em regime definitivo as doenças do espírito, sendo portanto a única chance que temos de encontrar o bem-estar e de o vermos aplicado neste mundo.

Esse é o poder subversivo do perdão universal dos pecados, apregoado por João Batista e endossado por Jesus. Somente a boa nova (somente essa boa nova) é capaz de agir eficazmente na anulação do poder diabólico da culpa, raiz daquela “ansiedade destrutiva que produz em nós toda enfermidade e todo o pecado”. Quem torna-se livre da culpa torna-se livre, e ponto final.

Isso porque “uma perspectiva graciosa e incondicional de apreço positivo” implica numa aceitação radical ao ponto da mais atordoante descaracterização. A singularidade do Deus de Jesus está em que ele não vai amar você menos se você o rejeitar; não vai amá-lo menos se você o matar. Não vai deixar de aceitá-lo em caso algum. O apreço positivo que ele nutre pelo ser humano é a expressão mais destilada e invariável da pessoa e do caráter dele; o céu e o inferno não teriam como alterá-la um milímetro em qualquer direção, muito menos algo que você puder fazer. “Nada poderá nos separar do amor de Deus”, e nada é muita coisa.

Em termos teológicos, essa visão de um Deus de amor invariável cuja matriz e coroa é Jesus já foi articulada (e questionada) muitas vezes ao longo dos séculos. A tarefa que Ellens tomou sobre si foi a de estabelecer além da dúvida o caráter e o valor terapêutico dessa graça ampla, invariável e arbitrária. Porque se Deus nos ama independentemente da nossa cura, só então a cura torna-se possível – mas, pasme-se, ela então torna-se possível. Se Deus pode nos aceitar como somos, só então nos tornamos livres para mudar. Isso não quer dizer que Deus exige que mudemos; pelo contrário, o cerne e o único poder da coisa toda está em que a aceitação e o apreço divinos pelo ser humano (e o nosso uns pelos outros) devem resistir galhardamente à rejeição, ao desprezo, ao esquecimento, à distração.

Se for assim, e Ellens não demora em apontá-lo1, Dietrich Bonhoeffer estava equivocado quando condenou e chamou de “graça barata” a graça que não produz mudança de vida na pessoa tocada por ela. Chamá-la de qualquer outra coisa que não simplesmente graça, mesmo quando não há mudança de vida, seria invocar o antigo fantasma da culpa e anular qualquer poder terapêutico que a graça poderia ter. Porque, e isso Ellens procura sempre novas formas de explicar, o único poder da graça está em que sua eficácia não depende da sua eficácia. A graça se basta.

A imagem resultante é a de um Deus ao mesmo tempo muito arrebatado e muito na dele. Por um lado, trata-se de um cara apaixonado para além da breguice e da cegueira, uma divindade que decide que nada no passado ou no futuro será capaz de alterar a sua devastadora inclinação em abraçar e aceitar o ser humano. Por outro, trata-se de um Deus absolutamente maduro em termos psicológicos, seu caráter livre por completo dos traumas, ansiedades, histerias, psicoses e neuroses que caracterizam a postura e a conduta dos deuses de sempre. Sua auto-estima e seu apreço por tudo que é humano, bem como seu equilíbrio emocional, em nada dependem da sua capacidade de agradar, da realização de seus projetos e expectativas com relação aos que ama ou de sua própria capacidade em salvar o mundo. O Deus de Jesus é um amante desiludido sem jamais chegar a ser amargo, um amante resoluto sem jamais chegar a ser invasivo.

É um Deus que não se rebaixa ao proselitismo, isto é, um Deus que não quer converter ninguém para além da sacada de que nenhuma conversão é necessária (e que portanto toda mudança é possível). É um Deus sem outro critério que não o amor, que abraça o filho pródigo e espera o mesmo do filho comportado; que dá a mesma recompensa ao cara que suou o dia todo e ao folgado que só apareceu para trabalhar na hora de ir embora. Um Deus que não tem ninguém na sua lista.

Naturalmente, tudo que sabemos a respeito desse Deus cavalheiresco só pode ser intuído a partir da postura e das indicações do Jesus dos evangelhos. Há traços muito claros desse Deus no restante do Novo Testamento e indícios desconcertantes dele no Antigo, mas seríamos por completo incapazes de rastreá-los não fossem a luz e a lucidez providas diretamente pelo próprio Filho do Homem, o rabi galileu de pés empoeirados, o louco crucificado.

Como observou certa vez um perplexo Brennan Manning, Jesus é o único sujeito na conturbada história das religiões a ousar chamar Deus de Pai. E, não custa acrescentar: na conturbada história das relações freudianas, Jesus é o único sujeito a prover para seu pai e para sua relação com ele um caráter maduro e psicologicamente equilibrado.

Ellens é aparentemente culpado de reconstruir o caráter de Deus não a partir do dogmatismo das ortodoxias, mas a partir da própria pessoa de Jesus. Seu pecado é acreditar que Jesus pode ser na verdade maior – um cara ao mesmo tempo mais ambicioso e muito menos – do que tudo que a igreja chegou jamais a construir ao redor do seu nome.

Porque se a postura de Deus em relação a nós resume-se a essa atordoante “perspectiva graciosa e incondicional de apreço positivo”, se a graça é de fato tão radical quanto sugerido por Jesus, existe de fato uma esperança para as nossas mais entranhadas patologias. Em meio a nossas mesquinhezas e inadequações, e antes de darmos qualquer passo para longe delas, levanta-se a possibilidade de sermos encontrados pela cura que não buscávamos, a cura com a qual havíamos deixado de sonhar.

Afinal de contas, é esse o sentido primário da palavra grega do Novo Testamento que aprendemos a traduzir como salvação: cura. Ser salvo é ter a saúde restaurada. É por isso que nossa salvação pode representar a saúde do mundo: isso acontece quando decidimos estender ao próximo (graciosamente, porque não haveria outro motivo e outra maneira) a perspectiva graciosa e incondicional de apreço positivo que entrevemos e tocou-nos no Deus singular de Jesus.

Assim, de forma desguardada e gentil, abrem-se os portões do palácio e os loucos, os mendigos e os criminosos recebem permissão para brincar no jardim ao lado dos filhos do príncipe. Ou talvez seria mais correto dizer que são os filhos do príncipe que recebem permissão para tocar a beleza sem intermediários da vida real. Na verdade não faz diferença, e essa é a moral da história. A risada de todos torna-se a mesma debaixo do mesmo sol, e logo todos cansam das simetrias do jardim e escolhem percorrer livremente o mundo. Essa inesperada liberdade adquirida, essa descomunal integridade recuperada, já foi chamada de bem-aventurança; Ellens gosta de chamá-la simplesmente de bem-estar.


Paulo Brabo

NOTAS
A ideia de Bonhoeffer de que a graça que não produz uma vida radicalmente diferente é “graça barata” é um traição da verdade bíblica sobre a graça. É claro, todos gostariam que a graça de Deus produzisse em cada vida humana o fruto de uma vida integral e santa, mas o caso é que, mesmo quando isso não acontece, a graça permanece incondicional, perdoando e aceitando por completo essa pessoa falha. Bonhoeffer substitui a graça por um antiquado e incorreto moralismo medieval e por uma religião mecanicista. Sua ideia de “graça barata” revela que ele anseia novamente por uma espécie de legalismo e de condicionalismo que nos moldem. A graça, porém, é livre, radical, incondicional e universal, ou então não é graça e não tem nada de boa nova – visto que, se não for assim, não consegue atingir o centro da patologia à qual de outro modo estamos algemados para sempre, sem esperança. Não consegue libertar-nos da ansiedade destrutiva que produz toda nossa enfermidade e pecado.
[...] Bonhoeffer, que compreendia tão bem a graça de tantas maneiras, rendeu-se inadvertidamente à noção de uma graça condicional em suas observações sobre graça barata. Naquele momento de descuido ele cobiça novamente pelo legalismo, obscurecendo o fato de que a graça é gratuita; que pode ser pressuposta eternamente; que é radical, incondicional e universal. Graça condicional é graça nenhuma.» (J. H. Ellens, Radical Grace).

Sem Torah

Segue mais um video da Série Talmidim, espero que gostem.



A Deus Somente A Glória,
Ricardo A. da Silva

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Celebrando no meio do caminho

Sempre é emocionante ver os atletas na linha de chegada comemorando um bom resultado de sua corrida. Quando os acompanhamos desde o começo, vemos antes da largada olhares preocupados e ansiosos para saber qual será o resultado. Durante a corrida rostos tensos, olhares determinados e em pouco tempo a linha de chegada, o final e a comemoração ou frustração.

Crescemos vendo isso e aprendendo que a celebração é vivida na linha de chegada, com o resultado final. Dessa forma a corrida tem que passar rápido, o mais rápido possível.

Mas o apóstolo Paulo mostra que pode ser diferente.

Paulo na linha de chegada da sua vida escreve uma carta emocionante para seu discípulo Timóteo. Dando suas últimas recomendações para o jovem líder ele aproveita e faz uma reavaliação de sua vida e de seu chamado.

Em um texto emocionante da sua segunda carta para Timóteo, ele, o apóstolo, prevê sua morte por ser seguidor de Jesus Cristo e descreve o que valeu a pena:

Eu já estou sendo derramado como uma oferta de bebida. Está próximo o tempo da minha partida.

Combati o bom combate, terminei a corrida, guardei a fé.

Agora me está reservada a coroa da justiça, que o Senhor, justo Juiz, me dará naquele dia; e não somente a mim, mas também a todos os que amam a sua vinda.

II Tm 4:6-8

Ele não fala que derrotou o adversário no combate, que ganhou a corrida ou que moveu montanhas com sua fé. Ele mostra na linha de chegada que a corrida que ele fez foi boa do começo ao fim, que lutou com firmeza a luta toda e que, mesmo com as derrotas aparente, guardou a sua fé.

O apóstolo mostra para o jovem Timóteo e para todos nós, que o foco não está apenas no resultado da vida e sim no jeito que se caminha, em cada passo, em cada respirar de nossa corrida.

Se aprendermos com Paulo esta lição, vamos aprender a celebrar, no meio do caminho, as pequenas vitórias, vamos ter prazer no jeito de viver e assim não vamos querer que a corrida passe rápido.

Poderemos chegar na linha final e dizer: Sei que fiz o melhor em Cristo e a medalha que Ele quiser me dar será a minha alegria.


Marcos Botelho

terça-feira, 12 de julho de 2011

Minha gente

Jesus pergunta aos seus alunos, o que o povo pensa dele, como o ser humano por excelência, o Filho do Homem.

Os alunos responderam que o povo1 o comparava com João, o batista; com Elias; com Jeremias; ou com algum dos profetas.

Profetas, estes três, representantes, respectivamente, do juízo, da ira e do castigo de Deus.

Jesus, então, sem fazer comentário sobre a opinião popular, pergunta aos seus alunos, o que eles diziam dele.

Pedro responde: O Senhor é o Messias, o Filho do Deus Vivo!

A magnífica resposta de Pedro: O Senhor é o Ungido, que os profetas anunciaram que viria para nos libertar, e o Senhor é o Filho do Deus do Universo! O Senhor é o Libertador, e o Senhor é o Deus, também! O Senhor é o Rei Ungido do Salmo 2, e o Senhor faz parte de Deus, em Deus há mais de uma pessoa, e o Senhor é uma delas! O Senhor é Deus que veio em carne e osso para nos libertar!

E Jesus diz a Pedro: Pedro você é um homem feliz!

Você sabe isso porque o meu Pai, que é e está, infinitamente, além de qualquer criatura, contou para você, nenhum ser humano contou ou o poderia contar para você, e não tem nada a ver com nenhuma capacidade humana que você possa ter.

Eu vou reunir um povo em torno dessa verdade. A gente, para quem, a exemplo do que fez a você, o Pai contará quem eu sou.

Essa gente será salva por mim e me adorará: se arrependerá de ser diferente de mim, na sua natureza, no seu relacionamento com o Pai, no relacionamento consigo mesmo, no seu relacionamento com o próximo e com toda a criação; e permitirá que o Espírito Santo a transforme (a pessoa e a comunidade) em gente como eu; essa gente entregará a si e a tudo que pensava ter (uma vez que tudo é do meu Pai) a mim; e viverá por mim e para mim.

Essa minha gente não morrerá para sempre, porque eu a ressuscitarei no último dia, e essa minha gente, no dia a dia, atacará e derrotará todas as manifestações da morte: nas relações da sociedade; na política; na economia; na religião.

Essa minha gente demonstrará e ensinará o significado da palavra justiça, como fruto do direito.

Minha gente viverá junta, será a minha presença na história, como um corpo, através do qual me manifestarei; será uma comunidade planetária e solidária (formada por muitas comunidades locais), demonstrando o que é viver sob o reinado de meu Pai. Deixando claro que o Homem à imagem e semelhança do DEUS é a unidade humana.

E tudo isso, Pedro, começará com uma mensagem que você pregará, e que será reproduzida por muitos em todos os cantos e nações do planeta, abrindo o Reino do Céu para a humanidade, falando de mim, A PALAVRA, para que a fé venha aos seres humanos que, por graça do Pai, derem ouvidos. E então virá o fim, ou melhor, o recomeço em estado glorificado e imune à queda.


Ariovaldo Ramos

sexta-feira, 8 de julho de 2011

O valor da perola e o preço da Graça

Em Mateus 13:44-46 está registrado que Jesus assim descreveu o reino do céu:

O Reino dos céus é como um tesouro escondido num campo. Certo homem, tendo-o encontrado, escondeu-o de novo e, então, cheio de alegria, foi, vendeu tudo o que tinha e comprou aquele campo. O Reino dos céus também é como um negociante que procura pérolas preciosas. Encontrando uma pérola de grande valor, foi, vendeu tudo o que tinha e a comprou.

[...] Quando leio essas parábolas penso com frequência num jovem que tive o privilégio de conhecer. Sua “pérola de grande valor” era uma mistura de cocaína e heroína. Por isso ele sacrificou todo o resto – sua saúde, sua família, um teto e um lugar para dormir, todas as suas possessões mundanas, – até não ter nada além da roupa do corpo e um violão. Ele amava aquele violão: viva dizendo que era a sua alma. Mas um dia penhorou o violão: “penhorei a alma”.

Tendo só a roupa do corpo e o dinheiro que recebeu pelo violão, tudo que ele conseguiu comprar foi uma “vírgula” de heroína (um décimo de grama, apenas o suficiente para deixá-lo alto uma única vez). Tendo vendido finalmente sua “alma”, essa era sua pérola de grande valor.

É aqui que a parábola termina, mas na continuação da história do meu amigo algo inacreditável acontece. Tendo descolado a sua heroína ele entra num beco para transar a droga, e ali depara-se com outro amigo que também é usuário de heroína mas não tem dinheiro, nem drogas, nem nada valioso para vender. O que faz meu amigo com sua pérola? Ele a compartilha. Ele a divide – o tesouro pelo qual sacrificou todo o resto – e dá metade a seu amigo, sem qualquer esperança de retribuição. Ali, num beco da zona leste do centro de Vancouver, meu amigo engajou-se num ato de generosidade e de sacrifício pessoal superior em escala a qualquer outro ato de generosidade ou sacrifício pessoal que eu jamais tenha visto praticado – quer por parte de cristãos ou de quaisquer outros. Pense o que quiser sobre o uso de drogas: o valor da pérola para meu amigo e a extensão de seu sacrifício suplantam em muito qualquer outro ato de bondade jamais praticado por mim.

E a verdade é que a atitude de meu amigo não é exceção. Em comunidades de usuários de drogas e outras comunidades de gente pobre não é incomum uma estirpe de economia fundamentada na graça, em que se dá sem se esperar receber de volta.


Daniel Oudshoorn
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