terça-feira, 30 de junho de 2009

O crime não compensa

“Meu rapaz, você, por preguiça, entra na mais trabalhosa das existências. Você se diz vagabundo! Prepare-se para trabalhar.

Já viu uma máquina perigosa que se chama laminador? É preciso cuidado com ela, porque é sorrateira e terrível; se consegue prender-lhe a barra do casaco, arrasta-o por inteiro. Essa máquina é a ociosidade. Pare enquanto ainda é tempo; ponha-se a salvo! Se não, tudo está acabado; daqui a pouco você será tragado pela engrenagem.

Uma vez preso, não espere mais nada. Trabalhe, preguiçoso! Nada de descansar! A mão de ferro do trabalho implacável o agarrou. Você não quer ganhar a vida, ter uma ocupação, cumprir um dever! Ser como os outros o aborrece! Pois bem: com você vai ser diferente. O trabalho é a lei; quem o rejeita, tê-lo-á como suplício. Você não quer ser operário, então será escravo.

O trabalho só o deixa de um lado para prendê-lo do outro; não quer ser seu amigo, então será seu escravo. Você não quer o cansaço honesto dos homens, terá então o suor dos condenados. Enquanto os outros cantam, você há de agonizar, vendo de longe, de baixo, os outros homens dedicados ao trabalho, que parecerão descansar.

O agricultor, o ceifeiro, o marinheiro, o ferreiro, aparecerão rodeados de luz como os bem-aventurados do paraíso. Que esplendor nas bigornas! Conduzir a charrua, enfeixar as espigas, aí está a alegria. A barca em liberdade ao sopro dos ventos, que festa!

E você, preguiçoso, se cansa, se arrasta, soluça, caminha! Puxe o cabresto, e ei-lo transformado em animal de carga entre as parelhas do inferno! Nada fazer é seu desejo. Pois bem, não haverá uma semana, um único dia, uma só hora, sem cansaço. Você não poderá levantar nada sem angústia. Todos os minutos que se sucederem farão estalar-lhe os músculos. O que para os outros é uma pena, para você será uma rocha. As coisas mais simples se tornarão difíceis. A vida se transformará em monstro ao seu redor.

Ir, vir, respirar, que trabalhos terríveis! Os pulmões far-lhe-ão o efeito de um peso de cem libras. Andar por aqui e não por ali já será um problema a se resolver. Qualquer um, quando quer sair, empurra a porta, e ei-lo fora. Você se quiser sair, terá que furar as paredes. Para ir à rua, que é que todos fazem? Descem a escada. Você terá que rasgar os lençóis da cama, fazer, fio a fio, uma corda, amarrá-la à janela, suspender-se por esse fio sobre o um abismo; será noite, haverá tempestade, vendo, chuva e, se a corda for muito curta, não haverá senão um meio para descer: cair. Cair de olhos fechados, ao acaso, num sorvedouro, que qualquer altura. Em cima de quê? Do que estiver por baixo, do desconhecido.

Ou então subir pelo tubo de uma chaminé, com perigo de se queimar, ou pelos canos do esgoto, com perigo de se afogar.

Nem falo dos buracos que precisam ser cobertos, das pedras que devem ser tiradas e recolocadas vinte vezes por dia, da caliça que é preciso esconder dentro do colchão...

Que precipícios são a preguiça e o prazer! Nada fazer é uma lúgubre resolução. Viver ocioso da substância social! Ser inútil, isto é, nocivo! Isso leva diretamente para a mais horrível miséria. Desgraçado de quem quer ser parasita; será sempre um verme.

Ah! trabalhar o aborrece? Você não pensa senão em beber bem, comer bem, dormir bem, mas terá que beber água, comer pão negro, dormir em cima de tábuas com uma corrente presa aos membros, sentindo durante a noite o seu frio sobre a carne. Você então quebra essa corrente e foge. Muito bem. Terá de se arrastar sobre o ventre debaixo das moitas, comendo erva como os animais selvagens.

Depois, será novamente agarrado. Então, terá de passar anos e anos num subterrâneo, preso a um muro, tateando para ir beber à bilha de água, mordendo um pão nojento que os próprios cães rejeitariam, mastigando favas que os vermes terão roído antes de você.

Você será um bicho-de-conta num buraco. Ah! Tenha piedade de si mesmo, pobre criança, tão jovem, que há vinte anos ainda sugava o leite da ama, e que, sem dúvida, ainda tem mãe.

Eu peço encarecidamente que me ouça. Você quer ter belos casacos pretos, sapatos de verniz, quer frisar os cabelos, untá-los com óleo perfumado, agradar às mulheres, ser bonito. Você terá a cabeça raspada e terá de se vestir com um macacão vermelho e calçar tamancos.

Você quer um anel no dedo, mas terá a gargalheira no pescoço. Se olhar para uma mulher, receberá uma bastonada.

Você entrará lá com vinte anos e sairá com cinqüenta! Entrará jovem, sadio, corado, com olhos brilhantes, com todos os dentes brancos, bela cabeleira de adolescente, e sairá alquebrado, recurvado, enrugado, sem dentes, horrível, de cabelos brancos!

Ah! pobre criança, você está no caminho errado, a ociosidade o aconselha mal, o mais rude dos trabalhos é o roubo. Creia-me; não prossiga nesse esforço para se tornar um preguiçoso. Transformar-se num vadio não é nada cômodo.

É muito menos penoso ser homem honesto. Agora vá, e pense no que eu lhe disse”.


Jean Valjean conversando com Montparnasse um jovem ladrão
em "Os Miseraveis" de Victor Hugo

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