sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Pedindo a Deus que seja mais fácil

Meu Deus: quero lhe fazer uma crítica, talvez até por eu não ser capaz de alcançar os seus desígnios: você podia ser mais fácil! O mistério da sua existência deveria prescindir da teologia, da fé ou da graça e fluir claro, natural e nítido como as coisas da natureza. Você deveria ser manifesto; apreensível sem apreensão. Verdade e não necessidade.

Aprendo na teologia que é preciso ter não a teoria de Deus nem a práxis de Deus, mas a experiência de Deus. Ex quer dizer para fora, na direção de, Peri significa em torno, em volta de, o mesmo radical de perímetro, périplo, etc., Encia é conhecimento, saber, o mesmo radical de ci-ência.

A experiência de Deus é, portanto, algo que o vive em várias e muitas de suas infinitas dimensões e de seus incontáveis lados. Não é a teoria de Deus. Não é a prática de Deus (o mundo construído, em construção e a construir). Não é a reapresentação de Deus, em torno da qual, durante tantos séculos, girou, equivocadamente, a teologia. É a experiência de Deus.

A ex-peri-ência de Deus, ensina-me o grande teólogo Leonardo Boff, é a vivência ampla e multiforme de Deus, tanto no plano imanente à nossa condição de homens como no plano transcendente. Ele me ensina o conceito de trans-parência. Como é impossível aprisionar Deus, ou explicá-lo por nossa limitada razão, só através da transparência, ou seja, algo que torna diáfana a realidade de Deus manifestada nas coisas e seres do mundo. Ele se manifestaria através. A transparência nos permitiria experimentá-lo através das coisas do Universo, que o proclamam. Assim me ensinou o sábio teólogo num livrinho precioso: A Atualidade da Experiência de Deus.

Eu sei, meu Deus, que precisamos sabê-lo mais do que conhecê-lo. Eu sei que é necessário viver fundamente a experiência da sua Ex-istência e In-sistência em nós e na vida. Eu sei, também, como Bérgson, que se você não dotou a nossa razão da capacidade de conhecê-lo ou defini-lo e se você fez o nosso coração vacilante, ora aceitando-o, ora negando-o, você nos permitiu a percepção da sua existência através da intuição, fagulha de conhecimento que pode alcançar, mesmo sem definir, a pré-existência de uma realidade maior, a força geradora do universo, do cosmos, e do espaço sem fim.

Tudo isso eu sei!

Do zero do meu conhecimento, da pequenez da minha condição de areiazinha cósmica, fico daqui a apreciar a grandeza da sua condição. Eu sei que por vezes fui tocado por sua luz, mas, tão logo me dava conta do milagre da sua iluminação, você desaparecia, de novo você se escondia escapando célere de minha mente, coração e nervos talvez porque aquela fagulha da verdade tivesse que ser compartida com outros que estavam no mesmo desespero da sua procura, no idêntico cansaço da sua busca.

É por isso que eu lhe digo, meus Deus, blasfemo talvez (quanto já mataram em seu nome!) que há horas em que me canso de o procurar. Canso-me de esperar a sua resposta. Irrito-me ao perceber que você mergulhou o mundo no mistério e de que jamais será dado ao ser humano conhecer o todo, o destino do mundo e do universo ou conceber tudo o que está (se é que há algo) fora da finitude descomunal de seu pobre e tolo conhecimento. Palavras como ‘nunca’, ‘sempre’, ‘jamais’, nestas horas doem muito, implodem angústia metafísica. Por quê? Será mesmo que este é um planeta de provação? Aqui estamos só para seguir um inevitável ciclo biológico evolutivo de aprendizagem? Haverá então, uma espécie de Estado-Maior do universo que traça planos fora do nosso alcance? Mas por que, então, nos foi dada uma inteligência capaz de se dar conta da existência daquilo que ela não pode saber? Por que nos foi dado sofrer tal limitação, tal humilhação cósmica?

Por que, diga, meu Deus, é necessário sofrer tanto a dor de procurá-lo?

Por que é assim dilacerante a idéia de infinito, de morte e de desaparecimento total, após termos sido dotados de tanta sensibilidade para sentir a vida, e intuir o acima de nós, mas dele não saber, apenas perguntar? Por que?

Por que uma vida inteira de indagações e perguntas, quando mais fácil seria aceitá-lo magicamente, ou acalmar-me diante de uma crença sem contraditas? Mas, se só as crianças e os puros de coração o alcançam, porque, então, você nos dotou de uma razão inquieta, abelhuda, perguntadora, afirmadora e negadora de tudo quanto vê e descobre?

Por que, meu Deus, o que chamam de sua evidência é tão raro e difícil? Por que se torna você passível de explicação e descoberta? Por que não é óbvio? Por que precisamos de você?

Por que, sem você, a vida é (pelo menos) um absurdo cósmico?

Por que, diante do seu mistério, diante da vida, diante do cosmos, diante do universo, diante do infinito, temos que permanecer eternas crianças metafisicamente chatas na idade do porquê?

Se você me é possível, mas difícil, perdão, a culpa é sua. O onipotente é você e não eu. E, se é pra tudo ficar em mistério, por que dotar-nos da possibilidade de o defrontarmos, de o intuirmos como mistério e nada mais?

Ah, meu Deus, há horas em que me canso de tê-lo como esperança, há horas em que desesperadamente eu precisava tê-lo como certeza! Já estou grande demais para ser tratado como criança que não pode entrar em conversa de adulto! Já estou grande demais para ficar chorando por dentro e a dor do cansaço de procurá-lo e este pavor do desconhecido que se mistura à mais deslumbrante das sensações, a do novo que está em você, a do além e adiante que são você, a da surpresa que é você, a do encontro afinal liberador com a paz da sua transparência e com a luz de sua transcendência.

Dê-me, pelo menos, força e energia para procurá-lo. E esperança para disfarçar o medo de nunca o encontrar, na certeza de que você está exatamente onde se esconde. De que você se manifesta através da nossa necessidade. De que você está além do conhecimento, lá onde mora, além de nós, a Verdade.


Arthur da Távola

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