sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Deus é traiçoeiro


"E, outra coisa, o Diabo, é às brutas; mas Deus é traiçoeiro! Ah, uma beleza de traiçoeiro - dá gosto! A força dele, quando quer - moço ! - me dá o medo pavor! Deus vem vindo: ninguém não vê. Ele faz é na lei do mansinho - assim é o milagre. E Deus ataca bonito, se divertindo, se economiza."


Guimarães Rosa

Aniversário


Os aniversários devem ser celebrados. Julgo que é mais importante celebrar um aniversário do que o sucesso de um exame, uma promoção ou uma vitória. Porque celebrar um aniversário significa dizer a alguém: “obrigado pelo que fez, ou disse, ou conseguiu”. Não, nós dizemos: “obrigado por ter nascido e por estar aqui conosco”.

Nos aniversários celebramos o tempo presente. Não nos queixamos do que aconteceu nem especulamos sobre o que acontecerá, mas encorajamos alguém e damos chance para que todos digam: “Eu te amo”.

Conheço um amigo que, no dia de seu aniversário, é agarrado pelo seus amigos, levado ao banheiro e lançado todo o vestido para a banheiro e lançado todo vestido para a banheira cheia de água. E todos esperam com ansiedade pelo seu dia de anos; inclusive ele próprio. Não faço ideia de onde terá vindo esta tradição, mas ser levantado e “rebatizado” parece uma ótima  maneira de celebrar a própria vida. Assim tomamos consciência de que, embora tendo que ter os pés bem firmes na terra, fomos criados para outros voos, e que, embora nos sujemos facilmente, podemos sempre lavar-nos e dar à nossa vida um novo começo. 

Celebrar um aniversário recorda-nos que a vida é bela e é neste espírito que devemos celebrar o dia de anos das pessoas todos os dias, demonstrado gratidão, compreensão, perdão, gentileza e afeto. Isto equivale a dizer: “É bom você estar vivo; é bom você fazer o mesmo caminho que eu, neste mundo. Alegremo-nos com isso. Este é o dia que o Senhor fez para existirmos e estarmos juntos”. 


NOUWEN, Henri.
Mosaicos do presente: Vida no Espírito. São Paulo: Paulinas, 1998.

A Santa Ineficiência de Henri Nouwen


"Certa vez quando estava jantando com um grupo de escritores, a conversa começou a girar em torno da correspondência que recebemos de leitores. Richard Foster e Eugene Peterson mencionaram um jovem intenso que havia procurado direção espiritual tanto de um como do outro. Contaram que responderam da melhor maneira que sabiam, escrevendo cartas e recomendando livros sobre espiritualidade. Foster acabara de saber que o mesmo jovem na sua busca de respostas fizera contato com Henri Nouwen.
“Vocês não vão acreditar no que Nouwen fez,” ele disse. “Convidou este estranho a viver com ele por um mês a fim de poder aconselhá-lo pessoalmente.”
A maioria dos escritores protege com o máximo de zelo suas agendas e sua privacidade. Nouwen, que morreu de um ataque cardíaco em setembro de 1996, rompeu com tais barreiras de profissionalismo. Sua vida inteira, de fato, demonstrou uma “santa ineficiência”.
Treinado em Holanda como psicólogo e teólogo, Nouwen passou os primeiros anos da carreira correndo atrás de seus alvos, realizando e alcançando sucesso. Lecionou em Notre Dame, Yale, e Harvard, publicou em média mais de um livro por ano, e viajou extensamente como palestrante de conferências. Seu currículo era algo que parecia impossível de atingir — e era exatamente este o seu problema. Sua agenda apertada e a concorrência implacável estavam sufocando sua própria vida espiritual.
Nouwen foi para a América do Sul por seis meses, para investigar um novo papel como missionário ao terceiro mundo. Uma intensa agenda de palestras que o esperava quando voltou para os Estados Unidos só piorou as coisas. Finalmente, Nouwen caiu nos braços da comunidade L’Arche (da Arca) na França, que era um lar para pessoas com sérias incapacidades físicas. Lá se sentiu tão nutrido e apoiado que concordou em mudar para o lar da mesma comunidade em Toronto, no Canadá, chamado Daybreak (ou Amanhecer). Foi ali que Nouwen passou os últimos dez anos da sua vida, ainda escrevendo e viajando, mas sempre voltando ao seu abrigo.
Visitei Nouwen uma vez, e almocei com ele no seu pequeno quartinho. Só tinha uma cama, uma estante de livros, e algumas peças de mobília estilo Shaker (que originou na Inglaterra com um grupo cristão do século 18, e que se caracteriza pela simplicidade, praticidade, e ausência de ornamentação). As paredes não eram decoradas, com exceção de uma cópia de uma pintura de Van Gogh, e alguns símbolos religiosos. Um atendente da comunidade nos serviu com uma travessa de salada e pão. Não havia nenhum aparelho de fax, nenhum computador, nenhuma agenda na parede — neste quarto, pelo menos, Nouwen havia encontrado serenidade. A “indústria” da igreja parecia estar muito distante.
Depois do almoço, celebramos uma eucaristia especial para Adão, o jovem deficiente de quem Nouwen cuidava. Com solenidade, mas também com um brilho no seu olho, Nouwen dirigiu a liturgia em honra do vigésimo sexto aniversário de Adão. Incapaz de conversar, andar, ou vestir-se, profundamente retardado, Adão não dava nenhum sinal de compreensão. Parecia reconhecer, pelo menos, que sua família estava presente. Babou durante toda a cerimônia e grunhiu bem alto algumas vezes.
Mais tarde, Nouwen contou que levava quase duas horas para preparar Adão todos os dias. Dando banho nele, fazendo sua barba, escovando seus dentes, penteando seu cabelo, guiando sua mão para tomar o café da manhã— estes simples atos repetitivos se transformaram praticamente na sua hora de meditação.
Devo admitir que tive uma dúvida passageira se esta era a melhor maneira deste ministro atarefado usar seu tempo. Uma outra pessoa não poderia assumir estas tarefas manuais? Quando abri o assunto cautelosamente com o próprio Nouwen, ele me informou que eu estava entendendo tudo errado.
“Não estou sacrificando coisa alguma,” ele insistiu. “Sou eu, e não Adão, que está tirando o maior benefício da nossa amizade.”
Durante todo o restante do dia, Nouwen continuou a voltar para minha pergunta, mostrando várias maneiras em que havia se beneficiado do seu relacionamento com Adão. No princípio fora difícil, ele admitiu. O toque físico, o afeto, e a sujeira de cuidar de uma pessoa sem coordenação, não vieram facilmente. Mas aprendera a amar Adão, a realmente amá-lo. No processo, aprendeu como deve ser para Deus amar a nós — pessoas sem coordenação espiritual, retardadas, capazes de responder apenas com o que deve parecer a Deus como grunhidos e gemidos indistintos. De fato, trabalhar com Adão lhe ensinaram a humildade e o esvaziar-se que geralmente são alcançados somente por monges solitários depois de muita disciplina.
Nouwen disse que durante toda sua vida duas vozes competiam dentro de si. Uma o  encorajava a alcançar sucesso e realizações, enquanto a outra o chamava a simplesmente descansar no conforto de ser o “amado” de Deus. Somente na última década da sua vida foi que realmente ouviu àquela segunda voz.
No fim, Nouwen concluiu que “o alvo de educação e formação para o ministério é continuamente reconhecer a voz do Senhor, sua face, e seu toque em cada pessoa que encontramos”. Ao ler esta descrição no seu livro Gracias!, entendi por que ele não considerou perda de tempo convidar um estranho para morar consigo por um mês, ou dedicar duas horas por dia para cuidar manualmente de Adão.
Vou sentir falta de Henri Nouwen. Para alguns, seu legado consiste nos seus numerosos livros, para outros era seu papel como ponte entre católicos e protestantes, e para outros sua carreira distinta como professor nas universidades famosas do Ivy League (como Harvard, Princeton e Yale). Para mim, porém, uma única imagem capta melhor a sua pessoa: a do sacerdote enérgico, cabelos desarrumados, usando suas mãos inquietas para criar e modelar uma homília como se estivesse tirando do nada, celebrando uma eucaristia eloqüente para o aniversário de um homem infantil, incapaz de reagir, e tão deficiente que a maioria dos pais o teria abortado, se tivesse chance. Um símbolo melhor da Encarnação, seria difícil imaginar."

Philip Yancey - Revista Impacto, 29 de Novembro de 2011.


segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Que Graça é essa?


LEITURA BÍBLICA: Lucas 7:36-50


INTRODUÇÃO       


      O texto que acabamos de ler trata de dois assuntos que aparecem com muita freqüência no Novo Testamento: a arrogância religiosa e a Graça de Deus. De acordo com a narrativa, a presença do primeiro assunto (arrogância) faz com que não enxerguemos o segundo (Graça). É interessante notar que a arrogância gera em nós a incapacidade de ver coisas que estão debaixo do nosso nariz, como ilustra o primeiro capítulo de Ortodoxia, de Chesterton, jornalista inglês católico no início do século XX. Chesterton nos conta o seguinte:

Pessoas completamente mundanas nunca entendem sequer o mundo; elas confiam plenamente numas poucas máximas cínicas não verdadeiras. Lembro-me de que, certa vez, fiz um passeio com um editor de sucesso, e ele fez uma observação que eu ouvira muitas vezes antes; é, na verdade, quase um lema do mundo moderno. Todavia, eu ouvi essa máxima cínica mais uma vez e não me contive: de repente vi que não dizia nada. Referindo-se a alguém, disse o editor: “Aquele homem vai progredir, ele acredita em si mesmo.

Lembro-me de que, quando levantei a cabeça para escutar, meus olhos se fixaram num ônibus no qual estava escrito “Hanwell” [um manicômio da Inglaterra]. Disse-lhe eu então: “quer saber onde ficam os homens que acreditam em si mesmos? Eu sei. Sei de homens que acreditam em si mesmos com uma confiança mais colossal do que Napoleão ou César. Sei onde arde a estrela fixa da certeza e do sucesso. Posso conduzi-lo ao trono dos super-homens. Os homens que realmente confiam em si mesmos estão todos em asilos de lunáticos.


       Continuando o capítulo, que, inclusive, se chama “Manicômio”, Chesterton nos mostra que a arrogância de confiar em si mesmo é tanto pecado quanto loucura, pois significa deixar de ver algo óbvio: o pecado que está em nós. Chesterton estava tratando da cosmovisão de nossa época de negar a maldade inerente ao homem. No entanto, essa cegueira arrogante também se apresenta individualmente, quando nos impede de ver o nosso próprio pecado e de ver a restauração na vida de um ímpio, como mostra a história do fariseu doEvangelho de Lucas, que lemos há pouco.

 

A ARROGÂNCIA RELIGIOSA DO FARISEU O IMPEDIU DE VER GRAÇA DE DEUS RESTAURAR A "MULHER PECADORA"


A história bíblica que lemos trata de um fariseu chamado Simão, um homem muito religioso, que decidiu chamar Jesus para um banquete.  Entre os convidados, além de Jesus, provavelmente estavam presentes outros líderes religiosos e outras pessoas respeitadas socialmente. Para o judaísmo, a refeição é um momento de comunhão, logo, os que ali estavam recebiam de alguma forma o respeito de Simão, o fariseu anfitrião da festa.
De repente, aconteceu algo que fugiu completamente dos planos de Simão. Uma mulher invadiu a festa. Não era qualquer mulher, mas simplesmente uma que era conhecida por ser "pecadora". Não era alguém que apenas cometeu um erro, mas alguém com a vida dedicada ao pecado, como deixa claro o sentido da palavra grega no original. Ela era exatamente o tipo de pessoa que Simão jamais convidaria para um jantar em sua casa. Simão seria capaz de mudar a rota de seu caminho só para não topar com esse tipo de gente. Como deve ter sido chato para o fariseu, um homem religioso, ter a pureza da sua casa maculada pela vil presença daquela pecadora.
Ela estava lá para ver Jesus, o que causou mais constrangimento para Simão, pois a mulher começou a lavar os pés de Cristo com suas próprias lágrimas, tal era a profundidade da emoção que ela sentia. Para enxugar os pés molhados, usou os próprios cabelos, soltando-os em público, algo que de modo algum uma judia respeitada faria. A mulher não parou por aí, a cena constrangedora continuou, pois ela passou a beijar os pés do convidado da festa. Depois, quebrou o gargalo de um frasco para usar o perfume que havia nele, pois, naquele tempo, era comum guardar líquidos em recipientes que deveriam ser quebrados para usar o seu conteúdo. O vaso era de uma matéria prima muito cara e valiosa, chamada alabastro, que é uma pedra branca, pouco resistente, parecida com o mármore, usada para fazer esculturas, vasos e jarros. Os recipientes feitos desse material eram muito bons. Por isso, o perfume deveria ser caro, uma vez que estava num frasco caro e que, uma vez quebrado, teria sua fragância usada por completo.
Simão não se surpreendeu apenas com o fato daquela pecadora ter tido a ousadia de invadir a sua casa e de ter agido de forma constrangedora diante de seus convidados. Ele também ficou muito surpreso com o fato de Jesus ter acolhido as demonstrações de afeto dela. O fariseu começou a questionar a relação de Jesus com Deus, pois um justo não deveria se deixar tocar por uma pecadora. E a desconfiança de Simão não se ligou apenas ao fato de Cristo ter acolhido a mulher, mas também pelo fato dele não ter tido a capacidade sobrenatural de, como um profeta deveria ter, segundo Simão, de identificar um pecador ao bater os olhos nele.
A história de Simão e a sua forma de agir diante da recepção que Cristo deu à pecadora mostra a visão que aquele fariseu tinha de Deus e de seus servos. Esse é o problema levantado por essa passagem das Escrituras: a arrogância religiosa de Simão o impediu de ver a ação restauradora da Graça de Deus na vida daquela pecadora.

A NOSSA ARROGÂNCIA RELIGIOSA NOS IMPEDE DE VER GRAÇA DE DEUS NA VIDA DOS OUTROS PECADORES


Uma coisa que eu acho interessante da leitura que a maioria de nós, cristão, fazemos dosEvangelhos é que sempre nos identificamos com os pecadores. Ao lermos o texto, nos colocamos no lugar do publicano, da prostituta, da mulher adúltera e de todos aqueles que foram agraciados com o perdão que o Filho do Homem pode dar. No entanto, se pararmos para pensar um pouco, perceberíamos que nós, os cristãos, somos os religiosos de nossa época. Portanto, nos assemelhamos mais aos fariseus. Nós somos aqueles que tentam andar direitinho, assim como Simão.
Nós olhamos cheios de compaixão para a mulher adúltera que estava para ser apedrejada noEvangelho de João, mas temos muita dificuldade de olhar com compaixão, não digo nem a mesma, mas simplesmente com compaixão, para uma mulher adúltera de nossa igreja. É Simão, o homem religioso e arrogante, que representa o perigo que corremos hoje, o perigo de que a nossa busca pela santidade gere em nós uma arrogância que olha com desprezo para aqueles que julgamos não merecedores de serem recebidos por Cristo. É mais fácil ter misericórdia de uma pecadora que viveu dois mil anos atrás do que conviver, hoje, com esse “tipo de gente”.
Imaginemos que um jovem chamado Derp Janilônio acabou de se converter e pretende freqüentar uma igreja. Até aí está tudo bem, menos o nome dele, é claro. O problema começa quando descobrimos que ele tem seios de silicone, pois era travesti e vendia seu corpo nu. Apesar da Graça regeneradora de Cristo ter alcançado a vida desse homem, a deformação do seu corpo não desapareceu simplesmente quando ele tornou-se cristão. Ele carrega traços físicos dessa vida anterior, como os seio de silicone que ele ainda precisa tirar. Não traz apenas características físicas, mas também carrega consigo a marca social de ex-travesti. Aliás, marcar as pessoas pelos pecados que cometeram parece ser uma prática comum nas nossas igrejas: ex-alcoólatra,  ex-drogada,  ex-adúltera, ex-travesti, dentre outros exemplos. Nós sabemos, meus irmãos, como certas igrejas ficariam alvoroçadas ao receber em seus templos um homem com seios.
Parece que os pecados de alguns não são pensado na proporção em que ofendem a Deus, mas na proporção em que nos ofendem. Um exemplo disso é que, apesar dos profetas do Antigo Testamentodenunciarem a idolatria e a injustiça social como pecados que ofendem gravemente a Deus, a igreja hoje dá uma ênfase muito maior aos pecados de natureza sexual.  Lutar contra a idolatria é difícil. E entendam idolatria como o ato de colocar algo no lugar de Deus e não somente  a imagem católica, como teimamos em simplificar. O ídolo pode ser uma idéia errada sobre o Senhor, algo que colocamos no lugar do Deus vivo revelado nas Escrituras. Lutar contra a pobreza do órfão, da viúva e do estrangeiro, figuras bíblicas que falam do pobre, significa lutar contra o estilo de vida que eu tenho. Lutar contra o pecado sexual do outro talvez seja uma forma de encobrir o pecado que está no meu coração. Talvez a promiscuidade do outro me incomode mais porque eu a desejo e vivo lutando contra essa vontade. Eu o não vejo como um desgraçado, o vejo com algo parecido com inveja.
Mas, meus amigos, alegria! O nosso Deus, o Deus encarnado, o Deus que Cristo mostrou com sua vida, sendo ele o próprio Deus, é completamente diferente do ídolo que estava na cabeça de Simão, pois Cristo ensinou que Deus é gracioso e que isso deve gerar em nós amor e gratidão.

CRISTO, REVELAÇÃO DA GRAÇA DE DEUS AOS HOMENS, RESTAUROU A VIDA DAQUELA MULHER PECADORA


            No momento de maior tensão da narrativa, isto é, momento em que Simão desconfia da relação de Jesus com Deus, Cristo dá uma reviravolta na narrativa. No versículo 40, essa reviravolta é marcada por uma ironia. Simão julgou Cristo por achar que ele não era capaz de, como profeta, saber quem era aquela mulher. Jesus, que não é só um profeta e sim o próprio Deus, vai além, lê os pensamentos de Simão, mostrando que aquele que, aos olhos do fariseu, não tinha poder, é poderoso, é o próprio Deus.
            Jesus demonstra isso propondo a Simão, que, de forma falsa, chama Cristo de mestre, uma história que vai de encontro ao pensamento equivocado do dono da festa. Como vimos, dois homens deviam ao mesmo credor. Segundo a narrativa, as dívidas eram diferentes, pois um devia 10 vezes mais do que o outro. Ambos não tinham como pagar, mesmo assim, não obstante a tamanha diferença entre as dívidas, os dois foram igualmente perdoados.
            A moral da história era bastante clara: quem muito é perdoado, muito ama. Mesmo assim, Cristo perguntou a Simão quem amaria mais o credor. A resposta do fariseu foi dada com má vontade, pois ele diz “suponho” (“eu acho” em outras traduções) para uma pergunta que ele sabia responder. Após afirmar que o seu anfitrião compreendeu bem a história, Jesus a aplicou ao dono da casa comparando Simão com a mulher pecadora.
            Foi grande a diferença entre as formas de agir dos dois.     Simão não ofereceu água para Jesus lavar os pés, como determinavam as regras de etiqueta com relação ao bom tratamento para com os convidados; a mulher, por sua vez, lavou os pés de Cristo com suas próprias lágrimas e os enxugou com os cabelos. O fariseu não deu o beijo no rosto de boas-vindas; a pecadora beijou os pés de Jesus sem parar. O anfitrião não ungiu a cabeça de Cristo com óleo, que era uma tipo de azeite perfumado, como era a maneira correta de receber alguém. A visitante inesperada, por outro lado, usou um perfume caro para ungir Cristo nos pés.
Como conclusão dos seus argumentos, Cristo afirmou “que o grande amor que ela mostrou prova que os seus muitos pecados já foram perdoados. Mas onde pouco é perdoado, pouco amor é mostrado” (NTLH). O "mas", conjunção adversativa presente na fala de Jesus, se refere a Simão, que amava Cristo pouco por se achar pouco devedor a Deus; ao contrário da mulher, que mostrava muito amor porque tinha sido perdoada dos seus muitos pecados, provavelmente por ter ouvido a mensagem da graça que Jesus vinha ensinando.
Afirmo que ela tinha sido perdoada porque o verbo perdoar, no original grego, está no perfeito, que significa uma ação do passado que tem seus efeitos sentido ainda no presente. Por causa disso as traduções geralmente colocam o verbo no presente, como no caso da expressão do Novo Testamento “Está Escrito”, mostrando que a relevância e a veracidade de textos escritos no passado permancem ainda hoje. Mas não precisa saber grego para perceber que ela já tinha sido perdoada e que foi para a casa de Simão para agradecer. O objetivo da história contada por Jesus é mostrar que o amor é fruto do perdão, que os devedores não tinham nada para quitar suas dívidas. Se interpretarmos o texto como afirmando que a pecadora foi perdoada porque amou ao invés de amar porque foi perdoada, estaremos contradizendo o próprio texto, que critica a autojustificação de Simão.
Jesus disse (duas vezes) que os muitos pecados da mulher tinha sido perdoados e que ela podia ir em paz, já que havia sido salva pela fé. Jesus repetiu a frase para que todos soubessem que aquela mulher que tinha cometido muitos pecados no passado havia encontrado perdão diante de Deus por causa da fé dela. As palavras de Jesus cumpriram o objetivo de fazer os presentes discutirem sobre quem ele é, pois, quando eles encontrassem a resposta, saberiam também que Cristo é Deus.
Jesus não estava afirmando que a vida de Simão era igual, em termos de pecaminosidade, a da mulher pecadora. Como ficou claro na aplicação do próprio Jesus, ela devia 10 vezes mais. O que Cristo estava ensinando é que Simão, mesmo sendo um homem que tenta andar segundo a Lei, ainda deve. Resumindo, tanto Simão quanto a pecadora precisavam do perdão restaurador e gracioso de Deus.

 

CRISTO, REVELAÇÃO DA GRAÇA DE DEUS AOS HOMENS, AINDA HOJE RESTAURA AS VIDAS DE NÓS PECADORES


           Eu não preciso contar uma história para ilustrar o que eu estou dizendo, pois, pelo que eu já conheço de alguns de vocês, essa restauração pode ser ilustrada por nosssas próprias vidas. Cada um de nós sabe do que eu estou falando, já que experimentamos o processo de restauração da Graça de Deus.
A história de Simão me faz pensar sobre a prática de testemunho que vemos por aí. Dá mais IBOPE os testemunhos daqueles que deixaram drogas, prostituição, satanismo etc. Como é incomum vermos alguém dizer que cresceu no evangelho e foi restaurado pela Graça de Deus, apesar de ter levado uma vida de bom cidadão. Tal pessoa, apesar de ser aparentemente uma pessoa de bem, é uma pecadora, assim como Simão era. Sua vida pode ser mais regrada, mas isso não faz com que ela pare de pecar e deixe de necessitar da Graça restauradora de Deus. Como afirma Paulo em Romanos 3:10, "Não há nenhum justo, nem um sequer ". Nós sabemos que, apesar de tentarmos andar em santidade, sempre acabamos caindo numa coisa ou noutra.
       Devemos estar sempre alertas contra o risco de que nossa busca por santidade se transforme em arrogância religiosa.         Esse risco decorre de duas questões: a primeira é pensar que as boas obras podem ser usadas como moeda de troca com o Senhor. O amor da mulher pecadora era conseqüência do perdão, não sua causa. A minha vida nos retos caminhos do Senhor não deve ser uma tentativa de autojustificação que me levará para Glória, mas uma forma de agradecer a Deus pelo perdão dos meus pecados, forma esta que sirva para que os outros, vendo as minhas boas obras, glorifiquem ao meu Pai que está nos Céus (Mateus 5:16).
A segunda questão que faz com que uma vida que tenta andar nos caminhos de Deus deixe de ser uma bênção e se transforme em algo ruim é a ilusão de que eu não preciso mais da Graça. Isso geralmente não acontece de forma tão descarada como aconteceu com Simão, que confiava em si mesmo.
Isso acontece, por exemplo, quando comparamos a nossa vida cristã com a vida cristã do outro que julgamos andar bem menos próximos de Deus do que nós; como quando o outro é escolhido para uma função que, segundo minha opinião, deveria ser minha, pois eu não faço o tipo de coisa que ele faz. Esse tipo de erro é muito perigoso para nossa vida espiritual, pois “Deus resiste ao soberbo, mas dá graça aos humildes” (1 Pedro 5:5).

CONCLUSÃO

     A passagem estudada nos revela que a arrogância religiosa de Simão o impediu de ver a ação restauradora da graça de Deus na vida daquela pecadora. Esta mesma arrogância, meus irmãos, nos impede, ainda hoje, de ver a ação restauradora da graça de Deus na vida dos outros pecadores e nos impede de sermos restaurados por Deus. Se aquela mulher tivesse olhado só para o pecado dela, teria entrado em desespero. Simão olhou apenas para sua religiosidade, por isso ficou cego para a Graça restauradora de Deus, Graça que ele também necessitava receber. Como nos ensinou Blaise Pascal, matemático e teólogo francês do século XVII, em sua obra Meditações: “o conhecimento de Deus sem o da própria miséria produz orgulho. O conhecimento da própria miséria sem o de Deus produz o desespero. [...] Jesus Cristo é um Deus do qual nos aproximamos sem orgulho e perante o qual nos humilhamos sem desespero”.

Flávio Américo

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Mais um pouco de Bonhoeffer

"Não é assim que a ajuda e a presença de Deus ainda tenham que se revelar em nossas vidas, pois na vida de Jesus Cristo já se revelaram a presença e a ajuda de Deus. De fato, é mais importante saber o que Deus fez em Israel, em seu Filho Jesus Cristo, do que tentar descobrir o que Deus intenciona comigo hoje [...]. Nossa salvação encontra-se "fora de nós mesmos" (extra nos), não em minha biografia, mas tão-somente na história de Jesus Cristo."


Bonhoeffer, Vida em Comunhão, p. 40.

Ser discipulo

"Ser discípulo é separar-se da vida anterior. Nova vida significa desistir da vida passada. Permanecer na situação antiga e ser discípulo é impossível"


Bonhoeffer, Discipulado

Se encontrar

Se está perdido, sem direção e orientação, pare!!! 
Se continuar andando, pode ir para ainda mais longe. 
Somente parados, conseguimos nos ajoelhar.
Somente ajoelhados, conseguimos nos encontrar.


Fabricio Cunha
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