domingo, 6 de junho de 2010

Eu, bordadeira

Quando escrevo encarno o espírito das bordadeiras. Minha pena é agulha que fere o papel para transformar toda a consternação em beleza. Quando eu era criança, sofri por ter nascido canhoto. “Menino desastrado”, ouvi um sem número de vezes. Amedrontado, fugia; eu só queria desenhar. Hoje, bordo, talho, desenho, com palavras. Palavras que podem até revelar o quão desajeitado sempre fui, e ainda sou, mas que me salvam da autocomiseração.

A insignificância que me rondou na adolescência enfeita a minha prosa. A falta de coordenação que não me deixava dançar, dá ritmo aos meus dedos. Com o passar dos anos, substitui timidez juvenil por essa sanha de escrever. Quando me ponho a escrever, arranco lirismo da tristeza e contorno as fronteiras da lucidez para enfeitiçar o texto.

Já não estranho a solitude. Acolho a quietude outonal - já que inaugurei a última metade dos cinquenta. Caio de amores pelo anoitecer. Quando des-iludido, não deixo de encantar-me com a alvorada que anuncia o sempre novo.

Todos os dias, trombo com levas de anônimos. Porém, nunca esqueço que cada um sussurra o nome de alguém que ama. Nós nos distinguimos no meio da multidão porque nos lembramos que, em algum lugar, alguém também sussurra o nosso nome.

Não temo a morte, mas ela me angustia. Ansioso, procuro adiar o dia em que vou ter que me despedir do cheiro do meu travesseiro, dos pensamentos acelerados que roubam o meu sono, da vermelhidão apetitosa da siriguela, da saudade que tenho dos meus pais, da água quente do chuveiro em dia frio, do sorriso de meus netos. Não, não estou preparado para enfrentar o corredor estreito que me roubará o derradeiro fôlego.

Fatigado, confesso a minha humanidade, mas o meu cansaço não significa desistência. Vivo perenemente grávido do futuro. Sinto-me sempre perto de parir sonhos, ideias, divagações. Animado pela luta, só falo da estafa como denúncia. Mesmo quando grito, "não aguento mais", a minha alma continua encharcada de eternidades – assim mesmo, no plural.

Encaro as minhas inadequações sob o teto da graça. Não me dissolvo em falsas culpas. Nunca vou ser rejeitado por enfrentar-me. Prossigo não por teimosia, mas constrangido pelo amor. Amor, que muitas vezes tem gosto de cocada, cheiro de alfazema ou quentura de lágrima. Certamente, bondade e misericórdia me acompanham.

Continuarei bordando tapetes para que outros pisem, esta é minha sina.


Ricardo Gondim

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