sexta-feira, 11 de junho de 2010

Jesus morreu em seu lugar

Porque Deus amou o mundo de tal maneira que
João 3.16

O cristianismo viveu, portanto, a primeira metade da sua história sem conhecer e sem reconhecer a ideia de redenção que muitos cristãos contemporâneos creem representar a coluna mais central do evangelho – a ponto de nos termos tornado incapazes de ler o Novo Testamento sem encontrá-la em cada palavra.

Porque não deve haver dúvida: nós, de alguma tradição evangélica, não carecemos da ajuda de um comentário para encontrar no texto bíblico a doutrina da morte substitutiva. Qualquer que seja o texto, o que quer que esteja querendo dizer, efetuamos sua conversão automática para o glossário de Anselmo e de Lutero antes que nos atinja de outra forma; a doutrina da satisfação está dentro de nós.

Assim, diante de “Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu filho”, não lemos que “Deus deu o seu filho de presente”, mas que Deus o matou.

Diante de “Jesus sofreu por nós”, não lemos que sofreu “por nossa causa” ou “em nosso favor”, mas que sofreu em nosso lugar.

Diante de “Jesus levou os nossos pecados na cruz”, não lemos que Jesus “carregou para longe” ou “em sua morte desembaraçou-se vitoriosamente” dos nossos pecados, mas que foi punido espetacularmente por eles.

Diante de “Jesus sofreu por nós para que sigamos os seus passos”, não lemos que “devemos sofrer pelos outros”, mas que Jesus sofreu em nosso lugar para que não precisemos sofrer.

Lemos “pelas suas feridas fomos sarados” como se quisesse dizer “pelas nossas culpas foi castigado”, e entendemos que quando disse que não há maior amor do que dar a vida pelos amigos Jesus estava falando exclusivamente da sua morte.

[...]

A resposta, que nunca deixa de maravilhar, é que durante esses mil anos os cristãos pouco fizeram para explicá-lo. Os pais da igreja e apologistas ocuparam-se de muitas coisas, mas não se ocuparam de sistematizar a obra da redenção. Os pais da igreja a apologistas cometeram muitos erros, mas o mérito de seu respeitoso silêncio sobre esse assunto deve ser contado em seu favor.

Quando se ocupam do assunto, os pais da igreja tendem a explicar a redenção não pela morte de Jesus, mas pela encarnação; para eles a encarnação é o modo e a redenção o resultado. É por isso que nesse período nenhum concílio deliberou sobre o mecanismo da redenção (e muito menos sobre a doutrina da morte substitutiva), mas muitos deliberaram sobre a natureza humana e divina de Cristo. Era essencial que ficasse demonstrado que Jesus tinha sido Deus e homem ao mesmo tempo, porque nesse mistério consistia o próprio mecanismo da redenção. Como sustenta ainda hoje a Igreja Ortodoxa, para eles a redenção estava revelada em que Deus fez-se homem para que homens pudessem tornar-se deuses.

Paralelamente, é necessário entender que a noção de substituição está implícita no discurso da boa nova apresentado pelos autores do Novo Testamento, mas em posição oposta à que reservamos para ela e com um sujeito oposto. Para o Novo Testamento, devemos nós agir como os substitutos vicários de Jesus, e não o contrário. Na lógica do reino, não é que Jesus nos substituiu para que fossemos salvos; nós é que somos salvos para que sirvamos de substitutos dele. Por isso o “como o Pai me enviou estou enviando vocês”; por isso o “Jesus sofreu pelos outros para que sigamos seu exemplo e seu destino”; por isso “o Espírito os capacitará a serem minhas testemunhas”. Nossa vocação é vivermos e morrermos na qualidade de substitutos de Jesus, cumprindo (satisfazendo) nisso a vontade do Pai.

Não há nada que queiramos menos. Leia +


Paulo Brabo

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