terça-feira, 26 de maio de 2009

Anseios transcendentais

Na precocidade do dia, antes da fúria do sol, amanheço com sede. Desperto sem saber nomear o que me falta. Carrego uma fome crônica. Convivo com um vazio existencial. Sofro de Síndrome da Nostalgia Difusa.

Minha alma não se conforma com a presença viva dos que já morreram. Quero minha mãe de volta. Ela parece estar por perto. Digo que vou segredar-lhe algumas percepções tardias do meu coração. Pego o telefone, aguardo, instintivamente, que ela me atenda do outro lado da linha. Desisto, mamãe repousa no fundo do armário de minhas memórias.

Melancólico, procuro cheiros, sabores, fotografias, músicas que me devolvam o passado que a poeira das décadas enterrou. Minha dor só aumenta. Bisonho, corro; os quilômetros me encharcam de suor, mas continuo inconsolável.

Meus olhos não se aquietam com a palidez da vida. Condiciono-me a mirar o mundo refulgente, mas o sofrimento universal, injusto e desproporcional, agride. Revolvo-me em culpa. Sou privilegiado em uma realidade desigual. Meus esforços para aliviar o suplício da miséria foram pífios. Não discerni corretamente as estruturas demonizadas da política que discrimina, privilegia, marginaliza. Quando cheguei a compreender os perigos do poder, estava fatigado e sem disposição para vestir a capa do profeta. Contento-me em falar às paredes que a corrupção sistêmica, os vícios históricos, as maquinações das elites não cumprem um desígnio da Providência. São um acinte à Divindade.

Meu coração não se pacifica com os lenitivos episódicos que a vida apresenta. Uma força estranha impulsiona o meu espírito a desejar alguma coisa que desconheço. As delícias da viagem se esgotam no estresse do aeroporto; a expectativa da festa deixa uma sensação crepuscular: tudo é efêmero; o fogo da paixão se apaga no desgaste da relação. Meu desejo é parecido com o do Chico. O que será que será que tanto quero e que vive nas idéias desses amantes/ Que cantam os poetas mais delirantes/ que juram os profetas embriagados/ está na romaria dos mutilados/ está nas fantasias dos infelizes/ está no dia a dia das meretrizes?

Meu coração não se deixa seduzir por poções mágicas. Reconheço: não existem porto feliz, Campos Elísios ou estados nirvânicos. Não há onde possa rasgar os sacos do lamento e soprar as cinzas do arrependimento. Viver consiste no eterno dever de persistir, mesmo quando não existe razão nenhuma para continuar semeando boas sementes e espalhando bons perfumes.


Ricardo Gondim

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