terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Ufa, que ano!

A macro-história acontece em câmara lenta. De repente, os eventos pegam embalo e os fatos se multiplicam vertiginosamente. 2008 acelerou tanto que mal deu tempo de tomar fôlego. Tirando as catástrofes naturais e os eventos previamente programados, como as Olimpíadas, a mídia cativou, mês a mês, a nossa atenção com notícias bombásticas. Tudo parecia ter potencial de alterar o futuro de forma dramática.

Os tibetanos, aproveitando o clima de euforia com a tocha olímpica, conseguiram expor para o mundo a opressão do regime chinês. Ingrid Betancourt, libertada de um cativeiro numa operação militar ainda não totalmente explicada, mostrou ao mundo o intrincado jogo geopolítico da América Latina -- França, Estado Unidos e Colômbia participaram, de alguma forma, no resgate.

Eventos impressionantes começaram a se suceder numa cascata surpreendente lá pelo meio do ano. Barack Obama reuniu mais de duzentas mil pessoas em Berlim em um comício -- para quê, se os alemães não votam em presidentes americanos? Ainda no início do primeiro semestre, duas instituições financeiras gigantes pediram falência. A bolha especulativa das hipotecas, do crédito fácil e das bolsas pipocou. Veio a avalancha. Trilhões de dólares viraram fumaça. E o mundo, estarrecido, passou a contemplar a possibilidade de uma depressão, tão severa quanto a de 1929.

O cenário africano continuou funesto. Não bastasse o sofrimento dos exilados de Darfur, veio o Congo. Os remanescentes do holocausto de Ruanda continuaram a aterrorizar com os seus ódios étnicos. Resultado: milhões de inocentes fugiram para escapar da carnificina, mas, sem terem para onde ir, morreram de fome. O cenário ganhou proporções apocalípticas e a resposta mundial foi pífia.

Barack Obama venceu as eleições e o mundo celebrou. Bush se despede como um dos presidentes menos populares da história dos Estados Unidos. A vitória do primeiro afrodescendente ao posto de “homem mais poderoso do mundo” encantou muçulmanos, cristãos, quenianos e, principalmente, os herdeiros do legado de Martin Luther King. Impossível não se arrepiar com o delírio das multidões no momento em que Obama foi declarado vencedor.

Em 2008, meninos e meninas também viraram notícia pelos maus-tratos que sofreram. Alguém jogou Isabella por uma janela. Igor e João Victor, mortos pelo pai e pela madrasta, nos entristeceram. A polícia soltou crianças que estavam algemadas e amarradas pelos pés. A nação ainda não despertou para a crua realidade de que o Brasil cuida mal dos pequeninos.

E agora, o que virá pela frente? Sabemos que, em alguns aspectos, o mundo nunca mais será o mesmo. O racismo dos Estados Unidos, com certeza, perderá sua força. O cartel do tráfico colombiano tende a enfraquecer. O projeto econômico neoliberal vai terá de ser revisto; a aposta de que o mercado ajusta o próprio mercado mostrou-se perigosa.

O Estado, com os seus mecanismos, precisará intervir para não deixar que uma economia atole o resto do mundo em crises, gerando mais pobreza. Depois que bancos centenários faliram e a General Motors revelou uma certa “falta de liquidez”, o resto do planeta colocou as barbas de molho; qualquer um pode descer pelo ralo.

As preocupações mundiais continuarão contraditórias. O Haiti, assolado por furacões, continuará se debatendo na miséria a poucos quilômetros do país mais rico do planeta. Como a Unesco tem poucos recursos para salvar vidas inocentes e sobra dinheiro para acudir as instituições bancárias? Infelizmente, enquanto os estoques de petróleo continuarem abundantes, suprindo a demanda mundial, não haverá interesse em desenvolver tecnologia que diminua a emissão de gás carbono.

A história do violinista Ytzahak Perlman é comovente e serve de inspiração nestes tempos delicados. Perlman contraiu pólio aos 4 anos de idade e desde então caminha com muletas. Apesar desse impedimento, tornou-se um grande violinista, um “virtuose”. Diz-se que, certa vez, no palco, sentou-se, colocou as muletas ao lado e posicionou o violino sob o queixo para começar a afiná-lo. De repente, com um ruído estridente, uma das cordas se rompeu. Quando todos esperavam que ele pedisse outra corda, ele fez um sinal ao maestro para começar e executou todo o concerto com apenas três cordas. No final, todos o ovacionaram em pé. Quando lhe deram a palavra, disse: “Nossa tarefa é fazer música com o que resta”. Claro, todos entenderam que as suas palavras se referiam à vida, e não a cordas arrebentadas apenas.

Em 2009, a história continuará ambígua. Dores se misturarão à felicidade. Experimentaremos perplexidade e esperança, luto e festa, descaso e solidariedade, insultos e marchas pela paz; rindo ou chorando, precisaremos aprender a fazer música com as cordas que nos restarem.


Ricardo Gondim

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