quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

É tudo a respeito de quem? Jesus?

Se um marciano visitasse a terra e observasse alguns terráqueos num culto contemporâneo ou não-tradicional, o que ele informaria ao seu planeta de origem? (Um exercício similar pode ser imaginado para igrejas mais tradicionais, se bem que os resultados seriam diferentes). Meu amigo John, que é professor de música e não um extraterrestre, notou algo que pouquíssimos terráqueos perceberam até agora (veja seu artigo completo em inglês em www.anewkindofchristian.com).

Uma parcela demasiadamente grande das nossas músicas de adoração tem o foco mais sobre nós mesmos do que sobre Deus. É bem verdade que usamos as palavras “adoração, gratidão, louvor a Deus”, mas, na maioria das vezes, referimo-nos a quê? A seus gloriosos atributos e maravilhosos mistérios? A seu agir na história e seus julgamentos cósmicos? Ao fato de que resgata a viúva e o órfão, e torna livre o cativo? À maneira como humilha os arrogantes e dispersa o rico deixando-o com fome? Ao modo como faz orbitar as galáxias e embeleza as estrelas com sua luz gloriosa? Ah, não. Ao invés disso, adoramos a Deus por nos manter próximos a ele, por nos proteger, por fazer com que nos sintamos amados, abençoados, perdoados, acolhidos e aquecidos sob o cobertor elétrico de sua segurança eternal. Nós o parabenizamos por suprir nossas necessidades de modo satisfatório. Muitas vezes quando dizemos a Deus “Você é um Deus tão bom!”, parece mesmo que estamos dirigindo palavras carinhosas a um animalzinho de estimação. Não me causa nenhuma alegria dizer estas coisas, mas acredito que elas precisam ser ditas. Pois, em geral, quando não estamos louvando a Deus pelo quanto somos bem cuidados por ele, estamos entoando canções que nos parabenizam pela maneira tão positiva como respondemos à sua graça. Você já se deu conta do quanto nós cantamos sobre o quão apaixonadamente nós cantamos? Também falamos muito a respeito do que nós vamos fazer - geralmente no singular: “eu adorarei, eu darei louvor, eu me prostrarei etc e etc”.

Uma bela e bem-intencionada canção chega a afirmar que Deus pensa “em mim acima de tudo”. Como diria meu amigo professor de música: “Perdoe-me, mas a única pessoa que pensa em mim acima de tudo... sou eu mesmo”. Quando o problema não está no que cantamos, está no que pregamos. Sejam os sermões contemporâneos do tipo “satisfaça-as-minhas-necessidades” ou os sermões estilo “fogo e enxofre” típicos da escola mais antiga, o foco parece não abandonar o ideal de que nossas boas almas serão finalmente levadas ao céu, enquanto neste entretempo, nossas circunstâncias aqui na terra seguirão melhorando pouco a pouco. Sim, talvez eu esteja exagerando. Mas me pergunto, será que estou mesmo? Um visitante marciano poderia julgar então, que por amor aos pobres, aos esquecidos, aos alienados, à viúva, ao órfão e ao oprimido, Deus não é um grande sucesso por aqui. Nem por amor a ele mesmo Deus seria popular entre nós, a não ser por aquilo que ele faz em nosso favor - o que com grande freqüência revela quem é a verdadeira estrela do espetáculo. Falando em espetáculo, o filme protagonizado por Jim Carrey, O Show de Truman (The Truman Show), me vem à mente junto com uma inquietante indagação: se nos mantivéssemos sensatos, como Truman ao final do filme, e nos encontrássemos diante da oportunidade de sair de nossa redoma deixando para trás o seguro e previsível mundo onde somos as estrelas e onde tudo gira ao nosso redor... será que teríamos a coragem de dar este passo?

Em minhas viagens (reais e virtuais), tenho o privilégio de conhecer centenas de pastores e líderes cristãos, muitos deles jovens e muitos já mais velhos do que eu, que estão saindo de suas redomas, renunciando ao estrelato espiritual e abandonando os pequenos aquários onde vivem em segurança e privilégio para partirem rumo a um mundo muito maior e mais desafiador. Estes pastores e líderes têm abraçado a difícil tarefa de re-examinar seus sistemas teológicos centrados em si mesmos (e na igreja), mesmo sabendo que este processo pode fazê-los parecer estranhos, perigosos e até mesmo heréticos aos olhos de alguns amigos.

Eles têm assumido este risco porque, dentre outras coisas, estão cansados das músicas que adoram nossa bela e apaixonante sinceridade, e incluem a Deus entre os vários acessórios que contribuem para nossa riqueza material, emocional e espiritual. Estes pastores e líderes recusam-se a limitar o foco de suas pregações às “necessidades” dos salvos e eleitos, mas ao invés disso, buscam manter vivo nos ouvidos de sua audiência, o clamor dos menos favorecidos, dos marginalizados e também dos perdidos. Eles estão escrevendo novas canções e pregando novos sermões sobre justiça e compaixão, missão e esperança, amor divino e amor humano (orientado para o próximo). Novos cânticos e novos sermões sobre a glória de um Deus que ama não apenas a “mim, mim, mim”, mas a todo o mundo - gente vermelha, amarela, negra e branca, como diz a antiga canção. Este exercício tem deslocado o foco de um evangelho centrado sobre o “eu” para um evangelho capaz de abençoar o mundo inteiro. Sem dúvida, muito do que se tem discutido sobre a “igreja emergente” encaixa-se na categoria de uma nova configuração demográfica carente de um novo arranjo onde tudo esteja ajustado a seus caprichos e gostos não-convencionais. Afinal, tudo gira ainda em torno de mim, tudo ainda diz respeito a mim. A diferença, no entanto, é que este “mim” provém de outro setor do mercado. É como se estivéssemos solicitando que o cenário do filme O Show de Truman fosse redesenhado para um novo e mais exigente Truman, um “hiper-Truman”.

Mas se existe ao menos uma faísca de alguma coisa a mais na conversa emergente, apenas uma centelha de esperança de que o Deus real possa ser encontrado fora da redoma de uma religião consumista e narcisista, e de que este Deus, na verdade, seja tão maravilhoso que nós desejemos por algum tempo cantar e pregar sobre ele, mais do que sobre nós mesmos, então devemos alimentar esta pequena chama. Isto daria aos marcianos uma boa notícia para levar de volta a seu planeta de origem. E seria também uma boa notícia por aqui.


Brian McLaren

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