sábado, 31 de dezembro de 2011

Dona Maria José

Pensava no que dizer como mensagem de final de ano para meus queridos amigos e leitores. Normalmente, a tendência é rememorarmos os momentos bons que vivemos no ano que se passou, e repensar aqueles que de alguma forma nos mostraram a necessidade de rever posturas e opiniões. Nada mais tradicional e batido, mas não menos importante. E, francamente, posso dar graças a Deus por um ano de muitas batalhas enfrentadas, muitos sonos perdidos, muitas preocupações, mas que coroou-se de maneira vitoriosa. E muitos de vocês, que leem estas palavras, que me acompanharam pessoalmente, ou pela internet, sabem bem que tortuosa e surpreendente foi esta estrada percorrida ao longo de 2011.

Porém, ao invés de fazer uma retrospectiva, resolvi contar uma história. Uma história que aconteceu comigo há alguns dias atrás.

Alguns amigos acompanharam o périplo que fiz para chegar a Aracaju a fim de comemorar as festividades de final de ano com minha família. Havia perdido meu voo, e após passar a madrugada no aeroporto de Guarulhos, consegui finalmente embarcar em um voo rumo a Salvador, onde me dirigi a rodoviária local para comprar uma passagem de ônibus que chegaria à capital sergipana. Só sairia no início da tarde. Então fui ao shopping Iguatemi, que ficava nas proximidades, almocei, descansei, e me dirigi por volta das 12:45 à rodoviária, para esperar o ônibus, que sairia às 14. Aproveitei todo esse tempo para finalmente concluir uma tarefa que há alguns anos procurava fazê-lo: concluir a leitura integral da bíblia sagrada.

Era isto que eu fazia quando uma senhora, por volta dos seus sessenta anos, se aproximou de onde eu estava sentado. Porém, logo em seguida, precisou voltar ao guichê da empresa de ônibus onde havia comprado sua passagem. Não queria carregar suas coisas até lá, e então solicitou que eu observasse suas coisas e guardasse sua cadeira no setor de espera, para que finalmente resolvesse seus problemas. O que, tranquilamente, não objetei.

Passaram-se cerca de 30 minutos até ela retornar. Tempo bastante demorado, por sinal. E eu, naturalmente, estava preocupado: "Ela vai retornar?"; "e se der meu horário, o que que eu faço?". Preocupações desfeitas com seu regresso...

Após se sentar, a senhora aguardou um tempo, observou-me, e resolveu perguntar-me a respeito do capítulo de Apocalipse, que eu estava lendo. Começamos, desta forma, uma conversa agradável, conde falávamos sobre nossa fé, o que entendíamos a respeito das traduções da bíblia, qual era melhor, qual era pior, sobre como agir na vida, sobre agradecimento, etc.

Neste tempo, aquela senhora, cujo nome eu ainda não sabia, resolveu me fazer uma confissão.

Ela contou pra mim que estava muito preocupada pelo problema com a passagem. E como precisava acertar aquilo, mas não sabia o que fazer com suas coisas, acabou confiando a mim, um garoto qualquer com o qual ela nunca tinha conversado, seus pertences. Disse que confiou no fato de eu estar com uma bíblia no colo, lendo-a. Confiou em uma ética e retidão de caráter que ela associou ao fato de eu estar com minha bíblia em mãos. Acho que não preciso dizer que, mesmo em uma circunstância como essa, tal procedimento não costuma ser o adotado por qualquer pessoa. Pra ser sincero, eu mesmo não agiria assim...

Quando ela resolveu o problema, ela se dirigiu equivocadamente ao setor de desembarque da rodoviária de Salvador, que é bastante parecido com o setor de embarque, onde eu me encontrava. Daí sua demora. Ficou procurando aquele garoto com a bíblia na mão, pensando onde, afinal, ele estaria. "Escafedeu-se? Sumiu com minhas coisas?", ela pensou. Depois de um tempo me procurando, finalmente descobriu que estava no lugar errado, e aliviou-se ao me encontrar sentado na mesma cadeira de espera de antes.

Depois deste relato, ela olhou pra mim e disse que falava aquilo em tom de confissão, pedindo perdão a mim e a Deus por ter pensado qualquer coisa que desconfiasse da minha moral, daquele garoto que podia colocar a perder sua imagem de um rapaz de fé por ter feito qualquer coisa contra ela. Que estava feliz por ter me encontrado, e desculpando-se por ter, em determinado momento, desconfiado de minha retidão.

Aquelas palavras me deixaram profundamente emocionado, e era extremamente difícil para mim encontrar um chão. Ela nunca havia me visto. Ela não havia feito nada contra mim. Não havia me criticado. Ela poderia simplesmente deixar a história passar, e seguir feliz pra sua casa, com suas coisas. Mas não. Ela confessou um "pecado" para mim e para Deus!

Eu poderia terminar o meu ano orgulhoso das conquistas e dos aprendizados que tive, de cada batalha à qual a vida me conduziu. Mas todos os motivos, todos os ensinamentos e vitórias pelos quais posso agradecer neste ano dificilmente superam este aprendizado que apareceu de surpresa e cicatrizou o meu cotidiano. Antes de qualquer possível vanglória, Deus dava um tapa na cara do meu orgulho, me conduzindo a reflexões de horas, dias, a respeito daquele momento. Me fazendo pensar onde estavam meus planos, minha postura frente às pessoas e aos acontecimentos. Para onde eu estava destinando o meu caráter e os meus esforços.

Descobri que seu nome era Maria José. E agradeci: "foi um prazer conversar com a senhora, dona Maria José".

Se há algum desejo que eu deva fazer para o ano novo que vem por aí, o faço para ela, bem como para todos vocês, familiares, amigos, leitores: a possibilidade de refletir frequentemente sobre o destino que se deseja assumir para sua própria vida, e no que isto vai implicar. O quanto de vitória, de perdão, de gratidão, de luta, de união, estarão presentes na sua rotina. E olha que o mundo anda realmente carente destas coisas...

Feliz ano novo.

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Sydnei Melo

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