domingo, 31 de julho de 2011

A morte

Sexta-feira última estive em mais um velório. Já fui em muitos. Não é um lugar que se escolhe para ir mas que, sempre que necessário, vamos. Dessa vez foi diferente. Senti-me acuado pela morte, vulnerável a ela. O senhor que faleceu tinha três filhos. Os dois mais velhos não tinham um bom relacionamento com ele por conta de demandas do passado. Choravam compulsivamente, abraçados, buscando um consolo mútuo mas tardio, tentando de alguma forma demonstrar algum arrependimento, alguma tentativa de perdão, de reconciliação. Já não havia mais tempo para isso. Pensei em como o homem é egoísta e belicoso, em como nos importamos com coisas sem importância e deixamos passar despercebidamente o que vale a eternidade: o abraço, o contato, o carinho, as palavras doces, os cheiros, os gostos. Não quero dizer “eu te amo” quando o outro não puder mais escutar, não quero fazer carinho nas mãos do que já não pode mais sentir, nem ter que pedir perdão ao que já não o pode mais me oferecer.

No banco logo à frente de onde eu estava, tinha uma menininha com um rostinho muito parecido com o da minha Sophia. Cruzamos os olhos três ou quatro vezes. Sorrimos um para o outro. Aquele momento não a afetou em nada. O brilho nos olhos era o mesmo tal qual a alegria da infância. Pensei em minha filha, pensei na possibilidade de perdê-la. Não consegui ficar de pé. Minha perna estremeceu de forma incontrolável. Pensei em pais que perderam filhos. Que dor. Não estou preparado pra isso. Ninguém está. Clamo por consolo ao coração do pai que já não tem por perto o seu filho, que já não vê o sorriso e nem ouve o barulho dos seus. Clamo ao Pai que não me deixe passar por isso.

Refleti sobre minha vocação pastoral, se tenho estrutura não só para passar por essa situação, como também para oferecer consolo e apoio ao enlutado. A resposta não foi imediata. Sentir a dor do outro é um chamado, uma verdadeira vocação. É a expressão mais profunda da encarnação do próprio Cristo. É o colocar-se no lugar de tal forma a sentir a dor do outro como sendo sua e são poucas as pessoas que estão dispostas a isso. Aceito ser um deles.

Sou grato a Cristo, de todo o coração, por ter se colocado em meu lugar, sofrido meu sofrimento, morrido a minha morte. Quero chorar a dor do outro, senti-la como se fosse minha, como se doesse em mim. Quero pensar na ressurreição, no dia em que os mortos “acordarão” e me reencontrarei com minha avó Alice, a vó Marina, com o tio Davi, com o seu Salvador, o Danielzinho, com meu filho que não chegou a nascer. Quero aprender a conviver com a realidade patente da morte, que impiedosamente ceifa pessoas amadas e especiais e as transporta para a misteriosa realidade do porvir sem nenhum aviso prévio.

Mas ainda não gosto do seu cheiro, do seu gosto. Posso ver beleza após a morte, mas nela não vejo nenhuma cor.


Fabricio Cunha

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