terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Soberania divina, um texto do Gondim

"Deus tem tudo sob seu controle? Sim e não! A ambigüidade não é minha, mas do texto bíblico. A Bíblia, ao contário do que preconizam os fundamentalistas, não é homogênea. Existem sim textos, principalmente no Antigo Testamento, em que Deus é apresentado em total controle de cada mínimo detalhe de vidas e de acontecimentos históricos. Contudo, outras passagens mostram claramente que sua vontade não é sempre cumprida.

Está escrito em Lucas 7.30 que os indivíduos possuem liberdade de dar as costas ao conselho ou propósito (grego, boulê) de Deus: “Mas os fariseus e os peritos da lei rejeitaram o propósito (boulê) de Deus para eles, não sendo batizados por João”.

Também está escrito em Lucas 13.34 que a vontade (grego, thelô) de Deus pode ser frustrada. O lamento de Jesus sobre Jerusalém é emblemático: “Jerusalém, Jerusalém, você, que mata os profetas e apedreja os que lhe são enviados! Quantas vezes eu quis reunir os seus filhos, como a galinha reúne os seus pintinhos debaixo das suas asas, mas vocês não quiseram!”.

Se a sua vontade pode ser frustrada por um fariseu, também pode por um estuprador. Portanto, o estupro seguido de morte da mocinha pobre não era da vontade de Deus! A favela não é da vontade de Deus. A criança que morre de diarréia no alto da Amazônia não é da vontade de Deus. O dinheiro da corrupção depositado na Suíça não é da vontade de Deus. E se nada disso é da sua vontade, o malvado não cumpre qualque propósito, mas expressa rebelião contra o Senhor. Deus não está no controle da chacina, do genocídio, do campo de concentração, porque se estivesse viveríamos no céu, no Paraíso, menos na terra.

Pensar em soberania como um preceito teológico desconectado da vida, mas em sintonia com textos pinçados criteriosamente para fazer valer a doutrina, parece ortodoxo, mas transforma Deus em parceiro de facínoras. Os calnivistas dormem bem com esse tipo de lógica. Eu não.

Esses pontos são suficientes para que os inimigos que ganhei com o Tsunami da Ásia se enfurecessem com o Terremoto do Haiti. Não, não ofereço todas as respostas para a morte estúpida e desnecessária de mais de cem mil almas. Contudo, assim como o pensamento do judaísmo mudou com Auschwitz, espero que a minha ortodoxia cristã seja outra depois de Porto Príncipe. Continuo disposto a provocar novas inquietações e a suscitar novas perguntas. Se não conseguir esclarecer coisa alguma, pelo menos vou me despedindo das respostas simplistas de outrora. Para mim, isso será suficiente." Leia +


Ricardo Gondim

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...