terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Ano novo sem resoluções

“Por mais que insistisse com Deus sobre a necessidade de avaliar e planejar, ele me convidava a simplesmente estar e descansar em sua presença”

Era sexta-feira, 2 de janeiro de 2009, a segunda manhã de um novo ano. Em casa, todos ainda estavam dormindo. O silêncio se contrastava com a intensidade dos últimos dois dias. Parentes e amigos haviam nos presenteado com a oportunidade de tê-los em nossa nova casa nas celebrações da passagem de mais um ano. Com isso, meu tempo havia sido consumido nos preparativos, na recepção e no esforço de prover a todos o tempo mais agradável possível. Somente naquela manhã, passadas as comemorações da véspera, consegui entrar no escritório para aquietar-me diante de Deus e refletir sobre os desafios do ano novo.

Enquanto minha alma se silenciava na presença de Deus, os rumores das muitas vozes que nos últimos dois dias haviam demandado minha atenção iam gradativamente se dissipando. Seria impossível ouvir ao Senhor sem primeiramente aquietar minha alma. Pouco a pouco, fui tomado por um sentimento de profundo prazer sem que qualquer palavra fosse pronunciada por mim. Em absoluto silêncio, senti-me acolhido por Deus e convidado a descansar em seus braços. Contudo, permanecia preocupado – eu ainda não fizera os costumeiros planos de boas intenções e necessárias ações para com a vida pessoal, familiar e profissional. Afinal, pensava, ninguém pode iniciar um ano sem boas metas a serem alcançadas e sem determinar caminhos a serem percorridos.

Enquanto insistia em “refletir”, sem muito sucesso nos resultados, fui sendo convencido que aquela inquietação não era fruto de qualquer demanda de Deus, mas sim da minha própria alma. Da parte do Senhor, parecia mais do que suficiente o simples fato de eu estar silenciosa e intencionalmente em sua presença. Fui sendo convencido de que os oito anos anteriores, tendo iniciado uma nova igreja e vendo-a crescer de maneira um tanto surpreendente, haviam gerado em mim um grande cansaço e, consequentente, a necessidade de um tempo de descanso no amor de Deus.

Não considero errado ou pecaminoso aproveitar o início de um novo ano para avaliação da vida no passado recente e definição de prioridades para os doze meses seguintes. Além disso, concordo plenamente com aqueles que afirmam não existir um momento mais propício para tanto do que as tradicionais viradas de ano. Só que este tipo de exercício se tornou, ao longo dos anos, uma espécie de ritual para mim. Passei a fazê-lo como parte integrante de meu exercício de devoção a Deus, desejoso de ouvi-lo e obedecê-lo, constantemente alinhando meu foco à sua vontade.

No entanto, naquele exato momento deparei-me com um cenário completamente diferente. Por mais que insistisse com Deus sobre a necessidade de avaliar e planejar, ele me convidava a simplesmente estar e descansar. Lembrei-se então das palavras do Salmo 62.1-2, que fala sobre esse descanso na presença do Eterno. Sim, quando permanecemos em Deus, estamos numa rocha alta e firme. Os braços do Senhor nos são uma torre segura. Logo, posso não saber o que emergirá diante de mim no futuro, mas o que importa é onde me encontro no presente. Eu não preciso saber para onde estou indo, se quem está no controle é o próprio Deus. Neste caso, minha tarefa é apenas estar com Ele e descansar no seu cuidado para comigo.

Foi assim que, para o escândalo de muitos, iniciei o ano de 2009 como um dos anos mais “sem propósito” e “por acaso” de minha vida. Não tenho claro em minha mente se existem grandes mudanças que devo efetuar, muito menos se existem novos projetos nos quais devo me envolver; tampouco estabeleci grandes metas pessoais, familiares ou profissionais. Envolvido pelos braços fortes e amorosos de Deus, fui convidado a simplesmente estar e descansar. Entendi que este era o projeto de Deus para minha vida no ano que se iniciava.

Mas, para não deixar por demais desesperados os superativos como eu, ou gerar um espanto demasiado àqueles que me cercam e bem me conhecem, preciso concluir dizendo que estar em Deus e descansar em seu amor não torna nossas vidas vazias, sem trabalhos ou demandas. Se assim o fosse, a vida de Jesus, descrita nos evangelhos, teria sido bem diferente. O que muda é a fonte de onde emanam as forças para os desafios que emergem e as adversidades que nos assaltam.

Para mim, entrar em um novo ano com o desafio de estar em Deus e descansar no seu amor significa viver intensamente, deixando que a graça e o amor do Pai sejam tão presentes em minha vida que transbordem, envolvendo tudo o que faço e todos que me cercam. E fazendo minha uma das orações de Bernardo Clairveaux: “Pai, faça-me represa do teu amor. Não peço para ser canal, pois passa por períodos de seca; mas que eu seja represa do teu amor que alaga e inunda a todos ao meu redor, a partir do meu coração.”


Ricardo Agreste

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...