segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Minha vocação

12 de outubro de 1977,

Geralmente uso uma pequena cruz de estanho. Não conseguia encontrá-la quando estava me vestindo hoje de manhã e, então, gritei:

_ Linda, não consigo encontrar minha cruz.

Respondeu ela, com uma ponta de ironia:

_ Tenho certeza de que você vai encontrá-la.

Achei. Ela está comigo. Mas aqui, no meu quartinho na casa de hóspedes da Abadia Getsêmani, fico cismando sobre outra cruz, aquela que devo pegar para seguir a Cristo.

Não estou nada preparado para esse silêncio. Esperava ausência de som. Estou oprimido por uma presença concreta.

O folheto de instruções que me deram diz assim: "Os retiros são feitos de modo privado.". A solidão que sinto é uma coisa nova, totalmente diferente da solião das montanhas ou dos rios. É uma terivel confrontação com o barulho da minha própria mente e alma. Quero produzir um ruído, apresentarme àquele homem no fundo do corredor. Se eu pudesse falar de Deus, não teria de enfrentá-lo. Mas aqui nesse silêncio toda conversa é conduzida por Deus.

[...] A cruz que perdi estava me esperando nas Escrituras. "Fui crucificado com Cristo. Assim, já não sou quem vive, mas Cristo vive em mim." Agora, sentado diante desse caderno, descobrindo os meus pensamentos à medida que os escrevo, fico cismando. Terei a coragem de pegar essa cruz?

[...] O trabaho que devo realizar aqui, escrever sobre Thomas Merton, parece-me estranhamente sem importância nesse lugar. Ontem, minha sensação é de que u vinha aqui para me encontrar com Merton, de tando que identifica a Abadia Getsêmani com a vida dele. Hoje, ele está reduzido ao meu desejado anonimato, De repente, tomo consciência de que o único trabalho que vale a pena querer é o que Deus quer. Maravilhoso paradoxo! Trabalhar para receber a graça, para tornar-se uma pessoa em quem Deus fala com Deus.

Estou aqui sentado morrendo de frio, vestindo essa camisa de flanela e um suéter de lã, enquanto as fortes vozes masculinas dos monges enchem a igreja de louvor. À medida que a luz desaparece, a Luz continua presente. Minha imaginação é estimulada de um modo totalmente natural, mas algo mais do que a imaginação está agindo em mim.

Cristo está presente.

Deus em Cristo já fez tudo. Não preciso me preocupar em caminhar com Cristo, como se pudesse fazê-lo. Preciso apenas sentar-me à uz de sua graça, ficar quieto e ouvir. Que me dirá ele? A mesma coisa que disse a Moisés: EU SOU O QUE SOU. Ele revelará a si mesmo, não coisas sobre si mesmo, e eu jamais querer abandonar o meu lugar.

Os 20 minutos de joelhos durante o ofício da noite são minutos em que o Atemporal habita o tempo. A eternidade é agora. Não tenho palavras. O Inefável as tomou de mim, assim como tomou o ruído que carreguei comigo durante toda minha vida ansiosa e agitada. "Você não temerá o pavor da noite, nem a flexa que voa do dia [...] e lhe mostrarei a minha salvação."

É possível viver em Cristo, na sua paz, na sua graça. É possivel ter consciência de que nele vivemos, nos movemos e existimos. E que nele, por meio de sua humanidade aperfeiçoada que se prolonga na sua igreja, estamos incluídos na vida da trindade.

Meu tempo aqui foi tempo de redenção. Meu conhecimento deste lugar tornou-se mais profundo, assim como o conhecimento de mim mesmo. Sinto-me atraído por imagens, tentando a ver através delas o Cristo que é o Criador de todas as imagens. Minha vocação é para o casamento, para viver na plenitude a metáfora da encarnação na realidade das minhas tarefaz diárias. Minha vocação é viver entre amigos, ensinar e ver nos meus alunos o Cristo que redime a todos. Não tenho vocação para o silêncio, mas sim para os silêncios entre as palavras que fazem os ritmos da poesia. Minha vocação é seguir a via da Afirmação.


John Leax
Trecho do diário do John Leax escrito durante sua estádia na Abadia Getesêmani publicado no livro "Muito Mais Que Palavras"

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