quarta-feira, 29 de julho de 2009

Um mundo todo bom do lado de fora

Uma vez eu ouvi o pastor-professor Eugene Peterson fazendo reminiscências sobre uma excêntrica mulher chamada irmã Lychen. Quase toda semana, na igreja da infância de Peterson – que encorajava palavras proféticas – , essa frágil mulher se levantava e dizia algo desse tipo: “O Senhor me revelou que eu não verei a morte até que ele retorne em glória para me levar ao seu encontro no ar”.

Um dia, para o desespero de Eugene, sua mãe o chamou para fazer um lanche de biscoitos caseiros na casa da irmã Lychen. Trêmulo, Eugene bateu à porta. A própria irmã Lychen, com a pele pálida, cheia de veias, e um rosto esquelético, o convidou para experimentar os biscoitos. Ela lhe serviu um copo de leite, e o garoto comeu nervosamente os biscoitos em quase total escuridão – a irmã Lychen mantinha suas cortinas fechadas o dia inteiro.

Depois, Peterson disse, ele teve uma fantasia. Ele se viu correndo para dentro da casa da irmã Lychen e arrancando todas as cortinas. “Olha lá para fora!”, ele chorava. “Veja, tem um álamo ali, e uma águia no topo dele”.

Foi esse mundo completamente bom do lado de fora, mais do qualquer outra coisa, que me trouxe de volta à fé cristã. Eu vim de uma infância com uma imagem distorcida de Deus: um superpolicial carrancudo que parecia esmagar quem estivesse vivendo bons momentos. Desde então, eu passei a conhecer Deus como um caprichoso artista que preenche o mundo com criaturas como porcos-espinhos, jaritatacas, e javalis, e que presenteia o mundo com flores silvestres e peixes tropicais mais belos que qualquer invenção artística exposto em qualquer museu de arte.

Francis Collins, fundador e diretor do Projeto Genoma Humano, vê a mão de Deus na imensa dupla hélice do código de DNA. A autora vencedora do prêmio Pulitzer, Annie Dillard, vê isso nas criaturas que nadam e mergulham no rio Tinker Ceek, nas montanhas de cume azul da Virgínia. De escritores naturalistas como John Muir, Henri Fabre, Loren Eiseley, e Lewis Thomas, eu adquiri a apreciação por um Artista Mestre em quem eles podem até não acreditar; suas observações precisas e reverentes me ajudaram a abrir as cortinas para mim.

Eu conheci um pastor no Barein que pode identificar pela visão 2.000 espécies de conchas, e um missionário na costa rica que reuniu uma coleção de espécies de todo o mundo de borboletas e mariposas. O historiador da igreja Mark Noll observa que a canção

“Turn Your Eyes upon Jesus” falha plenamente ao dizer, “E as coisas da terra crescerão, estranhamente ofuscarão / Na luz da Sua glória e graça”. Não, ele diz, o resto do mundo cresce claramente, e não de forma obscura, na luz de Cristo. Deus criou a matéria; em Jesus, Deus se uniu a ela.

Nós temos exemplos bíblicos do povo de Deus contando com recursos que estão além dos muros da igreja. Em uma história registrada em 2 Reis, a cidade de Samaria está sitiada e passando por uma escassez mortal. Desesperados, desterrados leprosos arriscaram suas vidas indo além dos muros em busca de comida. Eles têm uma visão incrível, restos de um exército que havia sido devastado, e trazem de volta os suplementos abandonados para que os israelitas escondessem dentro da cidade. Algumas vezes nós temos que sair da igreja para adquirir inspiração e alimento. De forma semelhante, Agostinho de Hipona escreveu sobre os israelitas que usaram ouro egípcio para construir o tabernáculo de Deus.

O japonês-americano Mako Fujimura se deparou com uma oportunidade incomum no rastro do desastre do World Trade Center. artista de nível mundial e pensador cristão, Mako mora alguns quarteirões depois do Grau Zero, num bairro povoado por artistas. Depois do 11/09, com muitos artistas fechando suas casas e estúdios, Mako abriu um estúdio público e o dedicou como um oásis de colaboração dos artistas do Grau Zero.

Nessa época, muitos artistas estavam produzindo trabalhos que pretendiam chocar, a maioria cheia de obscenidades e violência. De repente, a realidade superou a criatividade: o que aconteceu no próprio bairro deles era muito mais obsceno e violento do que tudo que eles já imaginaram. Na segurança do estúdio de Mako, esses artistas redescobriram outros valores – beleza, humanidade, bondade – e seus trabalhos começaram a refletir isso. Gretchen Bender, um artista vanguardista que trabalhou para “decodificar o gênero e a sexualidade” começou fazendo um tipo diferente de criação. Ela dobrou centenas de origamis brancos em formato de borboleta e os arrumou em um belo formato, inspirado em um vôo real de borboleta depois de ela ter enfrentado dias como o 11/09. Gretchen chamou isso de o “momento da ressurreição”.

Por seis meses, os artistas fizeram exibições, performances teatrais, recitação de poemas e orações conjuntas nesse seguro local. Como Mako comentou mais tarde, “Nossa capacidade imaginativa acarreta a responsabilidade de trazer cura, tanto quanto ela acarreta a responsabilidade de representar a angústia”. A igreja certa vez se candidatou a administrador da cultura, seu patrono e também como seu guia. Se nós ignorarmos o mundo fora das nossas paredes, nós sofreremos mais do que seus habitantes.


Philip Yancey

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