quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Um pouco de Legião Urbana

Espero q gostem, mas independente disso, eu gosto.


"Quem me dera ao menos uma vez
Ter de volta todo o ouro que entreguei a quem
Conseguiu me convencer que era prova de amizade
Se alguém levasse embora até o que eu não tinha.

Quem me dera ao menos uma vez
Esquecer que acreditei que era por brincadeira
Que se cortava sempre um pano-de-chão
De linho nobre e pura seda.

Quem me dera ao menos uma vez
Explicar o que ninguém consegue entender
Que o que aconteceu ainda está por vir
E o futuro não é mais como era antigamente.

Quem me dera ao menos uma vez
Provar que quem tem mais do que precisa ter
Quase sempre se convence que não tem o bastante
Fala demais por não ter nada a dizer.

Quem me dera ao menos uma vez
Que o mais simples fosse visto
Como o mais importante
Mas nos deram espelhos e vimos um mundo doente.

Quem me dera ao menos uma vez
Entender como um só Deus ao mesmo tempo é três
E esse mesmo Deus foi morto por vocês
Sua maldade, então, deixaram Deus tão triste.

Eu quis o perigo e até sangrei sozinho entenda
Assim pude trazer você de volta pra mim
Quando descobri que é sempre só você
Que me entende do iní­cio ao fim.

E é só você que tem a cura pro meu vício
De insistir nessa saudade que eu sinto
De tudo que eu ainda não vi.

Quem me dera ao menos uma vez
Acreditar por um instante em tudo que existe
E acreditar que o mundo é perfeito
E que todas as pessoas são felizes.

Quem me dera ao menos uma vez
Fazer com que o mundo saiba que seu nome
Está em tudo e mesmo assim
Ninguém lhe diz ao menos, obrigado.

Quem me dera ao menos uma vez
Como a mais bela tribo
Dos mais belos índios
Não ser atacado por ser inocente.

Eu quis o perigo e até sangrei sozinho entenda
Assim pude trazer você de volta pra mim
Quando descobri que é sempre só você
Que me entende do início ao fim.

E é só você que tem a cura pro meu vício
De insistir nessa saudade que eu sinto
De tudo que eu ainda não vi.

Nos deram espelhos e vimos um mundo doente
Tentei chorar e não consegui."


A Deus Somente A Gloria,
Ricardo A. da Silva

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Oração da fraqueza

Sozinho no meu quarto, venho a ti, meu Senhor, celebrar minha fraqueza.

Sim, eu a celebro! É nela que descubro que careço de Ti e que todo espírito de autossuficiência é tolice de quem é incapaz de amar e aprender com o outro.

Diante de Ti reconheço que não sou um super-herói, que não tenho todas as respostas, que não sei a solução de tudo, que sinto cansaço e preciso de ajuda. Farto de ver tanta injustiça, miséria e corrupção, clamo por Teu socorro!

Diante de Ti, vejo quem sou: pequeno, temeroso, vacilante e errante. Um pecador! Por vezes incrédulo, descrente, em estado de falência. Sozinho na tua presença, lanço fora minhas máscaras e retiro minhas maquiagens religiosas que estupidamente uso para disfarçar minhas imperfeições, carências e medos.

Agora está minha alma nua. Desnudo, é possível ver minha cobiça por poder, meus desejos camuflados e interesses mais mesquinhos. Também percebo a falsa necessidade de ser o centro das atenções, de manipular os outros, de tirar proveito das situações.

É impossível esconder-me de tua presença e tapeá-lo, Meu Senhor! Por mais que tente apresentar uma versão editada de mim, és o supremo Mestre. Tu sabes tudo, sabes quem sou.

Salva-me de mim mesmo! Perdoa-me, mas não tires de mim a minha humanidade. Torna-me mais sensível, mais gente! Deus, livrai-me do mal de projetos religiosos megalomaníacos de tornar pessoas em anjos... Agradeço-te porque na medida em que te revelas a mim em oração, mais tenho consciência da minha natureza.

Faz-me lembrar sempre que sou um ser humano enraizado no chão desse mundo. Desejo ser vaso de barro em tuas mãos e que em minha fraqueza, operes teu poder. Só assim posso promover teu Reino e Justiça, lutar pela vida e me derramar em favor dos pobres e esquecidos desse mundo mau.

Tu conheces minha estrutura e assim como um Pai se compadece de seus filhos, me amas com amor paciente. É o teu amor que me dá dignidade e que rompe os grilhões da baixa estima. Obrigado por não me lançares fora.

Ajuda-me a olhar para meu próximo com a mesma misericórdia que tens por mim. Ao experimentar a tua graça, que eu seja mais gracioso. Tu perdoaste os meus pecados, que eu viva como um perdoador.

Deus, que eu nunca esqueça que sou feito do pó dessa terra. Que eu proclame o tesouro da graça que depositaste em mim!

Peço-te em nome Daquele que se fez fraco abrindo mão de seu trono, porém venceu até a morte, para trazer abundância de vida. Amém!


Caio Marçal
Devocional da Rede FALE

domingo, 21 de agosto de 2011

A fé atéia

Nesta semana tive acesso a um diálogo a respeito de Deus, fé, ciência, ceticismo, entre outros elementos que compõem a complexa discussão que tem sido travada, principalmente no mundo anglo-saxão, entre ateus e religosos. Refiro-me a um vídeo que nos mostra um debate entre o biólogo Richard Dawkins e o teólogo protestante Alister McGrath.

Dawkins é reconhecido em sua área de formação por conta de seus trabalhos sobre evolucionismo e genética, mas tem ganhado notoriedade tambem por suas reflexões que culminaram na escrita do polêmico Deus, um delírio (2006), uma entre tantas obras que compõem a recente onda de trabalhos desenvolvidos em defesa do ateísmo por intelectuais como Sam Harris e Christopher Hitchens; McGrath é um eminente teórico anglicano, com trabalhos a respeito da relação entre as ciências naturais e a fé cristã, e um dos teólogos mais lidos do mundo atual. Entre suas obras, há dois títulos voltados diretamente ao debate promovido pelo biólogo: O delírio de Dawkins (2007) e O Deus de Dawkins: genes, memes e o significado da vida (2008).

O diálogo promovido no vídeo não se trata, aparentemente, de uma tentativa de estabelecer diálogos e conexões entre a fé e os postulados científicos, mas sim de esclarecer e confrontar posicionamentos a respeito de categorias polêmicas. Trata-se de uma entrevista, produzida por iniciativa do próprio Dawkins, prontamente aceita por McGrath. Mais do que perguntas, McGrath está ali para oferecer respostas, imediatamente confrontadas por Dawkins. E neste diálogo pude perceber que, diferente do que Dawkins alega ter ouvido de outros religiosos com posições mais acirradas e fundamentalistas, McGrath articula de maneira muito interessante e sensata as aparentes divergências a respeito da forma e do desenvolvimento da natureza. Mas tambem, e acredito que seja o grande ganho deste debate, demonstra que a grande chave da cosmovisão cristã não é a forma do mundo natural, ou o significado de todos os episódios históricos, mas sim a ótica que o cristianismo concede para se olhar o mundo e, através desta ótica, agir na história, tendo como eixo a figura de Cristo: morto, crucificado e ressurreto, em uma demonstração de sacrifício realizada em favor e por amor aos homens. Talvez seja esta a figura que mais confunda os profundos críticos da religião, uma vez que parece inconcebível a imagem de um Deus que se encarna em um Filho, e é entregue por homens aos calvário por amor à própria humanidade. E é claríssimo como Dawkins demonstra, durante esta entrevista, que tal idéia seja profundamente absurda, mas através de argumentos tão esvaziados quanto as alegações dos mais agressivos religiosos fundamentalistas.

Mas gostaria de apontar um momento em específico desta entrevista que me deixou um tanto consternado.

Se valendo do exemplo dos homens-bombas, Dawkins alega uma profunda preocupação com o fato de que, diferente de sua perspectiva de conflito no qual espera que seja possível sentar-se e conversar de maneira democrática, um extremista jamais se colocaria em um diálogo aberto, mas explodiria a ele e a seu interlocutor. Por admitir que a fé é capaz de causar esta coragem para que alguém dê cabo de sua própria vida e destrua outras, o biólogo questiona McGrath se é realmente correto educar crianças em uma perspectiva religiosa. O teólogo anglicano aponta que a chave para entender esta questão não seria a fé por si mesma, uma vez que ela tanto pode ser benéfica como tambem bastante perigosa; mas que se deveria partir de idéia de natureza humana para compreender as raízes de uma violência que instrumentaliza tanto a religião quanto o ateísmo - e uma análise da história do ateísmo no século XX demonstraria isto. Dawkins afirma que McGrath provavelmente se refere à Stalin, e o teólogo complementa esta referência ao afirmar que, para Stálin, que se pautava pela ideologia marxista de cunho profundamente anti-religioso, a religião representava uma ameaça ao poder, sendo por isto duramente combatida. Finaliza afirmando que um problema principal seria o dogma, cujo poder seria intensamente destrutivo. Ora, para Dawkins há um ponto fora da curva: recusa-se a acatar a idéia de que o ateísmo pudesse fornecer bases para a violência stalinista ou hitleriana. Segundo Dawkins, o ateísmo de Stalin, ou de Hitler, é acidental (!). Em contrapartida, McGrath afirma que seria fácil compreender a crítica cética e humanista à religião no século XIX, considerando as inquisições como exemplos máximos; mas a história do século XX, que apresenta como um de seus episódios a violência perpetrada por um ateísmo institucional, conduziria à conclusão de que tais episódios não provam ou negam a existência de Deus, mas evidenciam que os homens devem ser responsáveis por suas ideologias e seus impactos nas formas como vivemos. Finalmente, Dawkins recusa-se a aceitar o termo ateísmo institucional, alegando mais uma vez que ideologias podem ser produtoras de fenômenos violentos, e que a fé pode ser acrescentada a esta lista, mas não o ateísmo. Este volta a ser tomado como um acidente no percurso de Hitler e Stalin.

É impossível não registrar que fiquei impressionado com a argumentação de Dawkins. Porque a crítica cética ao pensamento religioso é profundamente marcada pelos fatos históricos, e a recente onda neoateísta só foi possível devido à força que o fundamentalismo religioso tem exercido no cenário político internacional, bem como nos debates a respeito dos direitos civis. Isto é claramente observável. Porém, valho-me da surpresa ao perceber em um profundo crítico da religião uma perspectiva tão aguerrida de defesa do ateísmo como uma ideologia imaculada. E é provavelmente neste ponto que se encontram algumas das principais fraquezas dos argumentos de intelectuais como Dawkins e outros que constroem esta militância em prol do ateísmo. Como argumentar a fé como um elemento de necessária superação, se a própria defesa desta superação necessita de uma negação simplista dos exemplos históricos que a contrariam? Como requerer crédito à defesa de uma postura anti-religiosa, se esta mesma postura necessita de um dogma, uma fé, na qual se basear?

Acredito que as teses desenvolvidas por estes intelectuais pecam justamente naquilo que mais rechaçam. Invocam um extremismo tão semelhante ao dos fundamentalistas religiosos para requerer a eliminação total da religiosidade como o verdadeiro caminho à paz humana. Não consigo definir esta crença na plena bondade humana e na plenitude de paz promovida pela razão senão como uma profunda fé atéia. E tal como outras tantas perspectivas dogmáticas (religiosas ou não), demonstra-se infrutífera diante de qualquer possibilidade de conceber parâmetros políticos e culturais verdadeiramente democráticos.

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Sydnei Melo

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Sobre culpa, medo e liberdade

Culpa. Eis aí um elemento imprescindível para a manipulação religiosa. No mercado da fé, a culpa é um produto sempre em alta, não como mercadoria propriamente dita, mas como indutora do consumo. Se o consumidor tem culpa, compra qualquer produto que lhe for oferecido para se livrar dela. Na verdade para se livrar do medo. Esse é outro elemento indispensável para manter pessoas no cabresto.

É por isso que o medo é incompatível com o amor. Para ser amor de verdade tem de ser livre, e para ser livre não pode haver medo. Se para amar é necessário ameaçar com um castigo impiedoso, não haverá amor, mas uma submissão forçada. A mulher que permanece com o marido porque este lhe ameaça bater ou matar não o ama, apenas teme por sua vida. Ou, se não é isso, tem uma relação completamente doentia, porque quer ficar com alguém que lhe ameaça o tempo todo.

Já admirei a eloqüência da pregação “Pecadores nas mãos de um Deus irado” de Jonathan Edwards, mas hoje só consigo ver ali uma divindade com sangue nos olhos e babando de vontade fazer sofrer as pessoas, com uma ira represada que, quando irromper, devorará todos os ímpios. Esse Deus é bem diferente daquele que vejo na face de Jesus, que não veio para condenar o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele.

Jesus é a encarnação de Deus. Deus que tanto amou seus filhos que se fez gente e habitou entre eles. Ele é o amor substantivo concreto. Amor que foi levado às últimas consequências. Mas como os religiosos preferem uma ameaça concreta de punição em vez de uma proposta de salvação gratuita, trataram logo de assassinar o amor. Ainda bem que o amor vence afinal, ressurge e reparte sua vida com seus amigos, seus discípulos. Outra coisa que esse pessoal de sangue nos olhos não tolera é que Deus tenha amigos e não escravos tratados na base do chicote. Sim, Jesus quer amigos, sem medos, sem ameaças, sem retaliações.

Que valor teria a encarnação e toda essa extraordinária história de amor entre Deus e seus filhos se, na verdade, acorre-se a ele por medo da constante ameaça de ser fritado num caldeirão de azeite fervente por toda a eternidade?

O amor de Deus é incondicional. A graça é de graça mesmo. Amor e graça dão liberdade. Culpa e medo levam à escravidão. Um Deus que chama seus seguidores não de servos, mas de amigos, é o que dá a liberdade. Os que quiserem ficar com ele e desfrutarem de sua amizade serão amados. Os que quiserem ir embora, são livres para fazê-lo, continuarão amados. E continuarão sendo esperados de volta. A porta estará sempre aberta.

Quem de nós quer amigos que só ficam ao nosso lado por conveniência ou porque estão sendo chantageados? Se não queremos amigos assim, por que Deus usaria então a chantagem, a ameaça, para que permanecêssemos com ele? Deus não está irado, mas em paz conosco. Ele nos ama. Não há condicionantes para isso. Somos livres para sermos amigos dele, ou não.

Deus é amor e no amor não há medo!


Márcio Rosa da Silva

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Evangélicos sem espetáculo

Nesta época de polarizações, poucas palavras provocam tanta aversão nos ambientes liberais quanto "cristão evangélico".

Em parte, isto se explica porque, nos últimos 25 anos, os evangélicos foram associados a personagens rabugentos e fanfarrões. Quando os reverendos Jerry Falwell e Pat Robertson debateram na televisão se os ataques de 11 de Setembro foram uma punição de Deus contra as feministas, os gays e os secularistas, Deus deveria tê-los processado por difamação.

Anteriormente, Falwell defendera que a aids é "o julgamento de Deus sobre a promiscuidade". Esta presunção religiosa permitiu que o vírus da aids se espalhasse, constituindo uma imoralidade maior do que tudo o que poderia acontecer nas saunas gays.

Em parte, por causa desta postura bem-pensante, todo o movimento evangélico frequentemente foi condenado pelos progressistas como reacionário, míope, irracional e até mesmo imoral.

Entretanto, esse menosprezo casual é profundamente injusto, se considerarmos o movimento como um todo. Ele reflete um tipo de intolerância às avessas, às vezes um fanatismo às avessas, dirigido contra dezenas de milhões de pessoas que na realidade se envolveram cada vez mais na luta contra a pobreza e na defesa da justiça global.

Essa linha compassiva da corrente evangélica foi dotada de bases extremamente sólidas pelo reverendo John Stott, um moderado estudioso inglês que influiu de maneira muito mais importante no cristianismo do que astros da mídia como Robertson ou Falwell. Stott, que morreu há alguns dias aos 90 anos, foi incluído na lista das cem pessoas mais influentes do globo da revista Time. Em termos de estatura, às vezes foi considerado o equivalente do papa entre os evangélicos de todo o mundo.

Stott não pregou acenando com a ameaça das penas do inferno numa rede cristã de televisão. Ele foi um humilde estudioso cujos 50 livros aconselham os cristãos a emular a vida de Jesus - principalmente sua preocupação com os pobres e os oprimidos - e a se opor a mazelas sociais como a opressão racial e a poluição ambiental.

"Os bons samaritanos sempre serão necessários para socorrer os que foram assaltados e roubados; entretanto, seria melhor acabar com os bandoleiros na estrada de Jerusalém a Jericó", escreveu Stott em seu livro A Cruz de Cristo. "Por isso, a filantropia cristã em termos de alívio e ajuda é necessária, mas muito melhor seria um aprimoramento a longo prazo, e nós não podemos fugir da nossa responsabilidade política e da necessidade de participar da transformação das estruturas que inibem este aprimoramento. Os cristãos não podem olhar com tranquilidade as injustiças que arruínam o mundo de Deus e degradam suas criaturas".

Stott deu exemplos das injustiças contra as quais os cristãos precisam lutar: "os traumas da pobreza e do desemprego", "a opressão das mulheres", e na educação, "a negação de iguais oportunidades a todos".

Para muitos evangélicos que sempre se retraíam quando um "televangélico" ganhava as manchetes, Stott era um guru intelectual e uma inspiração. Richard Cizik, presidente da Nova Igreja Evangélica Parceria para o Bem Comum, que trabalhou heroicamente para combater desde o genocídio até a mudança climática, me disse: "Contra a charlatanice e a irracionalidade no nosso movimento, Stott permitiu afirmar que você é "evangélico" e não deve se arrepender".

O reverendo Jim Wallis, diretor de uma organização cristã chamada Sojourners (Os visitantes), que trabalha em prol da justiça social, acrescentou: "John Stott foi o primeiro líder evangélico importante que defendeu o nosso trabalho na Sojourners". Stott, que foi um aluno brilhante em Cambridge, também ressaltou que a fé e o intelecto não precisam ser conflitantes.

Há muitos séculos, o estudo profundo da religião era extraordinariamente exigente e rigoroso; por outro lado, qualquer um podia declarar-se cientista e passar a exercer a alquimia, por exemplo. Hoje, é o contrário. Um título de doutor em química exige uma formação rigorosa, enquanto um pregador pode explicar a Bíblia pela televisão sem dominar o hebraico ou o grego - ou mesmo sem mostrar interesse pelas nuances dos textos originais.

Os que se denominam líderes evangélicos revelam-se hipócritas, transformando Jesus em lucro em lugar de emulá-lo. Alguns parecem inclusive homofóbicos, e muitos que se declaram "a favor da vida" parecem pouco preocupados com a vida humana depois que ela sai do útero. São os pregadores que aparecem nas manchetes e são menosprezados.

Escrevendo sobre a pobreza, as doenças e a opressão, encontrei outros ainda. Os evangélicos estão desproporcionalmente dispostos a doar o dízimo do que ganham a obras de caridade, em geral ligadas à igreja. O mais importante é que se procuramos nas linhas de frente, nos EUA ou no exterior, nas batalhas contra a fome, a malária, as violações nas prisões, a fístula obstétrica, o tráfico de pessoas ou o genocídio, alguns dos mais corajosos que encontramos são cristãos evangélicos (ou católicos conservadores, que a eles se assemelham de muitas maneiras) que vivem verdadeiramente a sua fé.

Não sou particularmente religioso, mas reverencio os que vi arriscando sua vida dessa maneira - e me enoja ver esta fé ridicularizada em coquetéis em Nova York.

Por que tudo isto é importante?

Porque tanto as pessoas religiosas quanto as seculares fazem um trabalho fantástico em questões humanitárias - mas elas frequentemente não trabalham juntas em razão das suspeitas mútuas. Se pudermos superar este "abismo divino", poderemos progredir muito mais no combate às mazelas do mundo.

E esta seria, realmente, uma dádiva divina.


Nicholas D. Kristof,
The New York Times - O Estado de S.Paulo
tradução de Anna Capovilla

Um pouco de Santo Agostinho

"Tu me chamaste, gritaste por mim, e venceste minha surdez. Brilhaste, e teu esplendor pôs em fuga minha cegueira. Exalaste teu perfume, respirei-o, e agora suspiro por ti. Eu te saboreei, e agora sinto fome e sede. Tocaste-me, e o desejo de tua paz me inflama".

Santo Agostinho

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

O Medo da Eternidade

Jamais esquecerei o meu aflitivo e dramático contato com a eternidade.

Quando eu era muito pequena ainda não tinha provado chicles e mesmo em Recife falava-se pouco deles. Eu nem sabia bem de que espécie de bala ou bombom se tratava. Mesmo o dinheiro que eu tinha não dava para comprar: com o mesmo dinheiro eu lucraria não sei quantas balas.

Afinal minha irmã juntou dinheiro, comprou e ao sairmos de casa para a escola me explicou:

- Como não acaba? - Parei um instante na rua, perplexa.

- Não acaba nunca, e pronto.

- Eu estava boba: parecia-me ter sido transportada para o reino de histórias de príncipes e fadas. Peguei a pequena pastilha cor-de-rosa que representava o elixir do longo prazer. Examinei-a, quase não podia acreditar no milagre. Eu que, como outras crianças, às vezes tirava da boca uma bala ainda inteira, para chupar depois, só para fazê-la durar mais. E eis-me com aquela coisa cor-de-rosa, de aparência tão inocente, tornando possível o mundo impossível do qual já começara a me dar conta.

- Com delicadeza, terminei afinal pondo o chicle na boca.

- E agora que é que eu faço? - Perguntei para não errar no ritual que certamente deveira haver.

- Agora chupe o chicle para ir gostando do docinho dele, e só depois que passar o gosto você começa a mastigar. E aí mastiga a vida inteira. A menos que você perca, eu já perdi vários.

- Perder a eternidade? Nunca.

O adocicado do chicle era bonzinho, não podia dizer que era ótimo. E, ainda perplexa, encaminhávamo-nos para a escola.

- Acabou-se o docinho. E agora?

- Agora mastigue para sempre.

Assustei-me, não saberia dizer por quê. Comecei a mastigar e em breve tinha na boca aquele puxa-puxa cinzento de borracha que não tinha gosto de nada. Mastigava, mastigava. Mas me sentia contrafeita. Na verdade eu não estava gostando do gosto. E a vantagem de ser bala eterna me enchia de uma espécie de medo, como se tem diante da idéia de eternidade ou de infinito.

Eu não quis confessar que não estava à altura da eternidade. Que só me dava aflição. Enquanto isso, eu mastigava obedientemente, sem parar.

Até que não suportei mais, e, atrevessando o portão da escola, dei um jeito de o chicle mastigado cair no chão de areia.

- Olha só o que me aconteceu! - Disse eu em fingidos espanto e tristeza. - Agora não posso mastigar mais! A bala acabou!

- Já lhe disse - repetiu minha irmã - que ela não acaba nunca. Mas a gente às vezes perde. Até de noite a gente pode ir mastigando, mas para não engolir no sono a gente prega o chicle na cama. Não fique triste, um dia lhe dou outro, e esse você não perderá.

Eu estava envergonhada diante da bondade de minha irmã, envergonhada da mentira que pregara dizendo que o chicle caíra na boca por acaso.

Mas aliviada. Sem o peso da eternidade sobre mim.


Clarice Lispector

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

O Milagre das Folhas

Não, nunca me acontecem milagres. Ouço falar, e às vezes isso me basta como esperança. Mas também me revolta: por que não a mim? Por que só de ouvir falar? Pois já cheguei a ouvir conversas assim, sobre milagres: “Avisou-me que, ao ser dita determinada palavra, um objeto de estimação se quebraria.” Meus objetos se quebram banalmente e pelas mãos das empregadas. Até que fui obrigada a chegar à conclusão de que sou daqueles que rolam pedras durante séculos, e não daqueles para os quais os seixos já vêm prontos, polidos e brancos. Bem que tenho visões fugitivas antes de adormecer – seria milagre? Mas já me foi tranquilamente explicado que isso até nome tem: cidetismo, capacidade de projetar no campo alucinatório as imagens inconscientes.

Milagre, não. Mas as coincidências. Vivo de coincidências, vivo de linhas que incidem uma na outra e se cruzam e no cruzamento formam um leve e instantâneo ponto, tão leve e instantâneo que mais é feito de pudor e segredo: mal eu falasse nele, já estaria falando em nada.

Mas tenho um milagre, sim. O milagre das folhas. Estou andando pela rua e do vento me cai uma folha exatamente nos cabelos. A incidência da linha de milhares de folhas transformadas em uma única, e de milhões de pessoas a incidência de reduzi-las a mim. Isso me acontece tantas vezes que passei a me considerar modestamente a escolhida das folhas. Com gestos furtivos tiro a folha dos cabelos e guardo-a na bolsa, como o mais diminuto diamante.

Até que um dia, abrindo a bolsa, encontro entre os objetos a folha seca, engelhada, morta. Jogo-a fora: não me interessa fetiche morto como lembrança. E também porque sei que novas folhas coincidirão comigo.

Um dia uma folha me bateu nos cílios. Achei Deus de uma grande delicadeza.


Clarice Lispector

domingo, 7 de agosto de 2011

Teimosia e esperança

A humanidade é constante vai-e-vem. Avanços e retrocessos fazem a história alternar entre tragédia e farsa. Enquanto erradicamos a poliomielite, cometemos atrocidades. Revolucionamos as comunicações, mas permanecemos culpados dos mais horrorosos crimes.

No século XX, duas guerras mundiais se somaram a genocídios e extermínios étnicos para alterar, definitivamente, filosofia e teologia. Positivismo virou ingenuidade - quem ainda acredita no mito do progresso?

Em algum lugar, no Pentágono, numa cova rasa do Camboja, num escombro de Ruanda, jazem os ossos do “bom selvagem” de Jean-Jacques Rousseau. De Camus a Martin Luther King se discorreu sobre o “mal profundo” que aleija a humanidade. Ele existe. Entre luzes e sombras, a história se alonga, malévola, com miséria, aniquilamento de culturas, e muita, muita, dor.

Antigas formulações sobre Deus, desapareceram. Hemingway colocou na boca de Robert Jordan, personagem de “Por quem os sinos dobram”, o porquê de seu ateísmo. Para o autor, que testemunhara os horrores da Guerra Civil da Espanha, Deus não existe: “se existisse, Ele não teria permitido que eu visse o que vi com estes meus olhos”.

Por outro lado, escancarados os campos de concentração nazista, ficou claro que monstros existem. E como se multiplicam! Elie Wiesel narrou o dia em que assistiu ao enforcamento de um menino no pátio do campo onde estava preso. Perfilado, viu a criança agonizar, pendurada por minutos que pareciam uma eternidade. Ele lembra que o menino tinha "os olhos de um anjo feliz". Na fila, Wiesel ouviu alguém perguntar: “Onde está Deus? Onde ele está? Onde está Deus, então?”. Uma voz respondeu em seu próprio coração: “Onde ele está? Ei-lo – está aqui, pendurado nesta forca”. Deus estava morto e o facínora, vivo.

Nunca testemunhei tantos horrores. Mas o pouco que vi bastou para eu refazer conceitos. Revisei o que entendia por Deus. Remexi na compreensão da vida. Distingui esperança de ilusão, ideal de compromisso, ingenuidade de realismo e comecei o árduo processo de reconstruir-me sem o imobilismo do pessimismo e sem a superficialidade do otimismo.

Depois de várias reformas, continuo a acreditar na possibilidade da vida, no potencial humano e no aparecimento de artesãos da história. Mesmo quando o encarceramento da bondade parece inexorável, vejo a bondade humana como a erva que rompe o cimento. Sob camadas de iniquidade, a virtude consegue vingar. Vinho bom pode vir do lagar onde se esmagam as uvas da ira. Creio no bem que ressurge, teimoso, como força existencial. Vivo com a esperança, sei que ventos imprevisíveis reacendem o pavio que fumega.

Vinicius de Moraes, logo após a II Guerra Mundial, em 1946, disse que “o pranto que choramos juntos há de ser água para lavar dos corações o ódio e das inteligências o mal entendido”. Sim, a humanidade é viável - caso contrário já estaria sepultada com os dinossauros - mesmo em meio a tanta ferocidade.

A maldade, mesmo universal, mesmo arraigada, não conseguiu asfixiar o bem. Os patifes têm maior visibilidade, os canalhas amedrontam, sórdidos intimidam, contudo, "onde abundou o pecado, superabundou a graça”. Por mais que o ímpio resfolegue ódio e o tirano oprima, a morte os alcançará. Eles passarão e o lento fluir da história continuará. Basta um fiapo de luz para que se desperte fome e sede de justiça em alguém. De onde menos se espera nascerão vigorosos esforços de paz.

Os Judas, os Brutus, os Pinochets, os Husseins, os Bushes, sumirão pelo esgoto da irrelevância. No fim, quando o Diretor da peça entrar no palco e avisar que o espetáculo acabou, o malvado será apenas uma nódoa. Ele próprio se condenará como personagem da Divina Comédia. E deixará, como único legado, a possibilidade de gerar indignação nos que acreditam em outro mundo possível.

Mesmo na sordidez contemporânea, o justo acena com a aurora de uma Nova Cidade; aguarda, como sentinela, a luz da aurora virar dia perfeito. O profeta do desespero tenta, mas homens e mulheres de bem resistem. É necessário que lampejos de esperança brotem nos atos simples de bordadeiras, poetisas, teólogas, operários, jornalistas, lavradores.

O milênio começou com poucas opções. Carpideiras choram no velório dos ideais - foram contratadas para despistar a festa do Grande Capital. Na ressaca do baile progressista, alguns não acreditam que sobará ânimo para o enfrentamento do desastre sócio-ambiental. Entretanto, a Imago Dei – imagem de Deus – nos olhos das crianças convida a humanidade a não entregar os pontos.

A doença que nos aflige não é para a morte. Ainda dá para virar o jogo. Enquanto pequeninos mantiverem louvor à vida e homens e mulheres não se ajoelharem no altar do cinismo, a promessa continua de pé: “Os mansos herdarão a terra”.


Ricardo Gondim

sábado, 6 de agosto de 2011

Um solilóquio

Resisto. Me inquieto. Sei da necessidade de deflacionar delírios onipotentes.

Hércules mal resolvido, vejo a vida passar, o cenário mudar. Os anos desembestados apressam o passo. “Onde fui parar?” Resisto, estranhado. Quero guiar o tempo.

Adio mortes. Esqueço que elas são necessárias; a semente não pode ficar só, enterrada. Esperneio. Tenho dó de Narciso humilhado. Devo guardar o que Walter Benjamin ensinou porque careço não só de “liberdade para” (freedom to) mas a “liberdade de” (freedom from). Enquanto eu só for "livre para" instrumentalizarei minha liberdade. Quando apreender o significado de “livre de”, entenderei o sentido de desapegar de nome, de respeitos institucionais, de ostentação. E aí, só aí, poderei simplesmente Ser.

Quero enfrentar a deliciosa e vertiginosa aventura de viver sem o chumbo que eu mesmo agrilhoei ao tornozelo. Ordeno à alma que retire as mordaças que permiti amarrarem na boca. Exorcizo o cenho medonho que fantasiei, e que me humilha sem sequer existir.

Quero entender o significado de simplicidade e perceber que a verdadeira vida se esconde no momento despretencioso, despido de grandiloquência. Os nascidos do Espírito são livres, leves, transparentes. Que minha simplicidade seja como uma janela aberta para a aragem sutil que sopra a infinita e imperceptível presença do Divino.


Ricardo Gondim

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Uma igreja criativa ou evangelização criativa?

Você já percebeu que em nome da “evangelização” se pode quase tudo? Comecei reparar isso faz um bom tempo.

Na maioria das igrejas ainda a dança não é bem vinda, não a vemos nos cultos e nem nos ambientes eclesiásticos como festas e confraternização dos crentes. Mas é só marcar um evangelismo em alguma escola, que montam, ou pior, convidam, uma equipe de dança para fazer uma apresentação e chamar a turma para ver que não somos diferentes dos outros a não ser na mensagem.

Fazemos isso também com o teatro, vemos de forma rara teatro na igreja, tirando, é claro, a sala de criança (ai que inveja delas), mas é só marcar um evangelismo em uma praça que ensaiamos uma peça, usamos roupas e até maquiagem para mostrar que a criatividade e a arte podem apontar para Cristo.

E assim várias outras formas de arte e costumes são “justificadas” com a evangelização: Os palhaços com muito humor, música “secular” para falar de um assunto, filmes, contadores de histórias, poemas, sk8, pintura, um grupo tocando tambores, já ouvi até tatuagens sendo justificadas por que uma pessoa viu a cruz e perguntou o que era e o tatuado pode testemunhar de Cristo.

Se a sua igreja não deixa você fazer algo, tente justificar que é pra evangelismo que você vai ver que da certo, quase sempre relevam.

Parece que algumas regras, métodos e formas criadas para a igreja não se aplicam a evangelização, assim cria-se uma “brecha” para poder ter ministérios paralelos à igreja, mesmo sendo, no fundo, da igreja.

Este tipo de regras é incoerente, mas quero dar outro foco agora e não nas regras. Preciso fazer duas ressalvas: 1- Eu discordando da maioria dessas regras de uso e costume e acredito que são opiniões de pessoas que estão na liderança. 2-Acredito que se a pessoa decidiu congregar em uma igreja, ela tem que respeitar a liderança local e suas regras.

Quero falar sobre esse Evangelismo Criativo.

Por muito tempo estudei e corri atrás de um evangelismo criativo, pois queríamos atrair o maior número de pessoas possíveis para ouvir o que tínhamos para falar e mostrar que podíamos ser descolados também.

Foi quando percebi que corremos o risco de estar fazendo uma “propaganda enganosa” para os que não conhecem a igreja, pois cara que fosse atraído com aquela apresentação e mensagem, quando chegasse na igreja pensaria: “essa igreja não é a mesma que eu vi lá na minha conversão”.

Mesmo o Cristo sendo o mesmo, aprendemos a ter uma forma para evangelizar e outra como vida em igreja.

Não acredito mais em Evangelismo Criativo, acho que pode ser um tiro no pé, acredito em igreja criativa, que vive as multifaces de Deus em sua vida diária e em seus cultos.

Um lugar em que todos possam demostrar seus dons, um lugar onde a gente é surpreendido a cada momento com o que Deus esta fazendo, um lugar com liberdade para a arte aparecer e apontar para o verdadeiro artista, o Criador.

Dessa forma, não vamos mais precisar de um evangelismo diferente do que vivemos, pois é só mostrarmos quem nós somos diariamente: Filhos à imagem e semelhança do verdadeiro Artista, do Criador.


Marcos Botelho

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Desistir?

"Desistir? Eu já pensei seriamente nisso, mas nunca me levei realmente a sério. E que tem mais chão nos meus olhos do que cansaço nas minhas pernas, mais esperança nos meus passos do que tristeza nos meus ombros...mais estrada no meu coração do que medo na minha cabeça."


Cora Coralina
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